Brazil - José Eduardo Montechi Valladares de Oliveira
Interview Details
- Region: South America - Brazil
- Language: Portuguese
- Interviewee: José Eduardo Montechi Valladares de Oliveira
- Interviewers: Bruno Fiuz & Marcio Bustamente
- Date: February 14 2019
- PGA Affiliation: Instituto de Cultura e Ação Libertária (ICAL)
- Bio: Masculino. 61 anos. São Paulo, São Paulo, Brasil.
- Audio File: https://www.dropbox.com/s/layuynjyn5p7qq7/Entrevista%20-%20Jos%C3%A9%20Eduardo%20Montechi%20Valladares%20de%20Oliveira%20%28S%C3%A3o%20Paulo%29%20-%2014.02.2019%20-%201.MP3?dl=0
- Transcript: https://www.dropbox.com/scl/fi/jyux9m5z9ywtrs0tlo1by/PGA-Brazil-3-Jos-Eduardo-Montechi-Valladares-de-Oliveira-S-o-Paulo-14.02.2019.docx?dl=0&rlkey=k9zu2q96vr8q5t0nx9dz1rybw
Transcript
Entrevistadores: Eu vou te perguntar e você dá as informações de acordo com o que você quiser, tá? Você gostaria de dar o seu nome completo pra gente?
Eduardo Valladares: José Eduardo Montechi Valladares de Oliveira
Entrevistadores: Idade?
Eduardo Valladares: 61 anos
Entrevistadores: Sexo/gênero?
Eduardo Valladares: Masculino/homem
Entrevistadores: Raça/cor?
Eduardo Valladares: Branca
Entrevistadores: Ocupação?
Eduardo Valladares: Professor, historiador.
Entrevistadores: Corintiano, né? (risos) Parou o negócio, né? Sai daqui, que AGP é o cacete… (risos)
Eduardo Valladares: Caralho! (risos) [incompreensível] Sou palmeirense! (risos) Ou então tem uma provocação assim… Galo, Atleticano, provavelmente… (risos) Você torce pro Atlético?
Entrevistadores: É, eu sou simpático ao Atlético, lá em Minas (risos)
Entrevistadores: Bom, a gente queria começar voltando um pouquinho no tempo e queria pedir, assim, a gente sempre pede para as pessoas contarem um pouquinho a… um pouco da trajetória de vida e como que você se envolveu com a militância política, com o ativismo, como que é essa trajetória, como que te leva a isso?
Eduardo Valladares: Como você pode perceber, pela minha idade, eu era um adolescente na época da Ditadura, portanto começa na época da Ditadura, com 14, 15 anos, na campanha eleitoral, depois, obviamente, uma vez secundarista eu fui militante secundarista durante muito tempo… Na época de final de curso, em época de cursinho pré- vestibular fui responsável, ajudei a reconstrução da UBES, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, no final dos anos 70. Fui preso, quer dizer, fui detido em 77 na invasão da PUC. Na época eu fazia parte de um grupo de extrema esquerda chamado MEP - Movimento pela Emancipação do Proletariado, o MEP tinha tido quedas, prisões, em 77, no início de 77, e ele cai na semi-clandestinidade também aqui no núcleo de São Paulo. O MEP nasce no Rio de Janeiro, o Núcleo pela Emancipação do Proletariado. E eu era responsável pelos secundaristas, então nessa época não tinha nenhum controle, o MEP era um [incompreensível] não tinha nenhum controle sobre mim e eu atuava livremente, já que eu era a principal liderança do movimento secundarista no plano nacional [incompreensível] e fui me afastando e fui rompendo com o MEP em função do autoritarismo do marxismo leninista. Minha aproximação com o anarquismo é muito mais do ponto de vista prático do que teórico.
Entrevistadores: Foi na militância mesmo…
Eduardo Valladares: Não, porque, enfim, não dá nem pra [incompreensível] o movimento anarquista, só porque era rebelde, que eu não queria… Eu tinha uma frase que… Eu não gostava que ninguém mandasse em mim, portanto foi a partir daí que eu me aproximo do anarquismo. A ideia que alguém pudesse mandar em mim era inaceitável, na época. Típico de um adolescente
Entrevistadores: Seus pais tinham uma… seu pai era da militância?
Eduardo Valladares: Não, meu pai era advogado, um profissional liberal, não, não tinha… mas me tirou da cadeia… ele foi responder… quando eu fui preso e respondi processo ele foi o meu advogado. Ele foi ao DOPS me defender, aquela coisa toda. Eu só soube isso depois do que aconteceu, que ele nunca quis comentar na época o que aconteceu. Minha irmã foi presa também. Uma das minhas irmãs que hoje é advogada foi presa, secundarista e quando era menor de idade, o processo foi parar no DOPS aí depois logo depois ele comenta que no DOPS eles falaram “quero pegar teu irmão”, pra minha irmã, não você. Aí… enfim, eu tinha uma certa militância no movimento estudantil secundarista, que era razoavelmente… na verdade era assim sem grandes discussões eu era talvez a principal liderança do movimento secundarista em São Paulo, na época, junto com alguns outros, com outras correntes políticas. Aí entrando na universidade, nos anos 80, início dos anos 80, eu fiz PUC e USP juntas…
Entrevistadores: Você fez história e…
Eduardo Valladares: E Letras, inicialmente na USP e depois eu mudei pra Filosofia, na USP, acabei me formando em Filosofia na USP e em História na PUC. [incompreensível] eu lanço um… quando eu entrei no movimento estudantil, na PUC, o centro acadêmico fazia parte, porque aquela época o centro acadêmico das Ciências Sociais, o CACS, era monopolizado, era controlado há anos pelo PC, pelo Partidão, que tinha monopólio. A gente lançou uma chapa autogestionária, que tinha como símbolo o ‘A com bola’ já se aproximava e ganhou, e daí foi, durante anos, até, mesmo depois de anos que eu saí da PUC, o CACS continuou sendo autogestionado.
Entrevistadores: Nessa ocasião, só um parêntesis, que referências que vocês tinham, pra falar em anarquismo e tal… referências de pessoas aqui? De onde que vinha?
Eduardo Valladares: Não… vinha… não tinha nenhum… é curioso porque pra ser marxista tem que ler Marx, pra ser anarquista basta ser rebelde. Não foi muito mais do que isso. Não tinha nenhuma, era a ideia de rebeldia pura e simples. Eu lembro que a gente lançou uma chapa que era “Se governe-se”, que é obviamente um erro de português, que é evidente um erro de português e eu sabia disso. Quando alguém vinha falar alguma coisa, eu falava: “Ainda bem que você tá alfabetizado… (risos) Ainda bem que você percebeu, porque a gente tá na universidade, a gente espera que você conheça a língua portuguesa”. Enfim, não tinha muito… tinha muito mais a ver com esse espírito de rebeldia da época, dessa época dos anos 80.
Entrevistadores: E existia algum tipo de movimento anarquista organizado nessa época ou não?
Eduardo Valladares: A gente foi saber depois. A gente foi conhecer depois que já tinha lançado essa chapa do centro acadêmico. A gente ganhou as eleições. Existia um centro que estava sendo refundado, o Centro de Cultura Social, que era uma referência lá no Brás… falando nisso, eu tenho uma fita também, em VHS, do Centro de Cultura Social, seria legal também tentar…
Entrevistadores: E aí vocês estabelecem contato com o CCS, ou não?
Eduardo Valladares: A gente organizou um simpósio dentro da PUC, sobre anarquismo. Foram 4 ou 5 palestras que eu tenho aqui gravadas, eu tenho a transcrição delas, que acabaram se tornando o [incompreensível] lotado. Era uma sala grande da PUC, cabiam 200 pessoas, tinham 300 pessoas, tinha nego do lado de fora assistindo… E a gente traz de volta alguns contatos com o Zé, que participava do Centro de Cultura Social - eu participei da refundação do Centro de Cultura Social, o Jaime Cubero, esse pessoal todo que tá morrendo, né? A última notícia que eu tive é que morreu mais um velhinho. Recebi por whastapp do Marcoliho, lá de Santos, do Guarujá. Santos/Guarujá que era um militante anarquista… A gente faz esse contato, tem contato com o Tragtenberg, que também participou do simpósio… começa a surgir na PUC o Edson Passeti, que também começou a fazer discussão sobre anarquismo e aí começa a ter essa rede entre os anarquistas. O que era um dado curioso, porque havia os velhinhos, espanhóis, grande parte, e a militância punk e anarcopunk que também participava disso. A gente na época tinha cabelos compridos, bem hipongas… Sim, você fez FFLCH, eu também fiz, era aquele povo da FFLCH e da PUC também, que era muito parecidos nos anos 80. A gente abriu o salão [incompreensível], era um salão gigantesco que a PUC tinha, pra uma festa do movimento punk, que foi uma festa histórica, no salão [incompreensível]… e eu fui com os representantes dos acadêmicos já dos…coisa… e como eu era cabeludo, os punks olhavam com uma leve desconfiança de…
Entrevistadores: Quem que é esse metal aí? (risos)
Eduardo Valladares: [incompreensível] ah, foi ele que cedeu o salão, então não pode bater no cara (risos).
Entrevistadores: Não foi nessa festa que um pessoal do ABC foi pra jogar uma bomba e a bomba estourou? Não foi?
Eduardo Valladares: Ai, num lembro, cara, juro que essas coisas… aquilo foi numa época que… além de ser há muito tempo, a gente tinha um negócio que atrapalhava a memória… (risos) o uso de drogas era bastante grande na época. Mas teve essa festa, foi uma festa bastante interessante, eu sei que é um momento importante pro anarquismo… depois a gente concorreu, eu montei uma chapa…estava na mão do PCdoB o diretório…o DCE, há muitos anos,
Entrevistadores: JS [Juventude Socialista], né?
Eduardo Valladares: Nem era, na época era o PCdoB mesmo, na época ainda não tinha a Juventude, ou já tinha, num lembro, mas estava na mão deles. Juarez era o presidente, que era professor de jornalismo hoje na UNESP, que acho que vale à pena também entrevistá-lo, e a gente montou uma chapa autogestionária. Houve um racha da esquerda, quem se opunha ao PCdoB - que eles queriam montar uma estrutura “presidente dos presidentes” e aquela coisa toda… houve uma ruptura e eu montei uma chapa que se proclamava autogestionária, chamada Maria Maria. Maria porque a gente tinha que registrar um nome [incompreensível] foi Maria e eles perguntaram sobre uma sigla, não, sigla porcaria nenhuma, é só o nome. Tinha que ter um nome.
Entrevistadores: Você tem notícias desses processos… de processos semelhantes a esses acontecendo em outros lugares? De chapas autônomas…
Eduardo Valladares: Não, tinha na Bahia um pessoal da… ao redor de um jornal, como que era? O Inimigo do Rei.. tinha esse grupo… A PUC fez na época… eu fazia PUC e USP, então a USP era… eu fazia Letras na USP que ainda era nas colmeias, enfim, pra quem não lembra é onde hoje… enfim, onde é o CP, onde funcionam os prédios do CRUSP. E era um caos, a USP, a FFLCH entrava em greve, a Letras funcionando… A Letras era um caos pra parar. A PUC era muito mais agitada, por isso que a minha memória de, apesar de ter feito as duas, minha memória afetiva se dava muito mais na PUC do que na USP. Tinha… eu participei da invasão do CRUSP. Então na época que o CRUSP foi invadido eu estava lá… então tinha as assembleias da [incompreensível] e do CRUSP, mas a vida era mais agitada lá na PUC.
Entrevistadores: Então, pelo que você tá contando, nesse momento é o momento de, digamos, renascimento, do anarquismo como cultura? Assim, aqui em São Paulo, assim…
Eduardo Valladares: Sim, de certa maneira, sim. Sim, porque teve a invasão da reitoria da PUC, foi uma das primeiras invasões de reitorias ocorridas no Brasil depois de 68. Teve uma anterior, mas foi de menor repercussão, tal, que foi a [incompreensível] começa ao redor da PUC, ao redor do centro acadêmico de Ciências Sociais. Houve uma vitória… a Maria não ganhou as eleições… a Maria era um discurso interessante pra quem… pra você que vai trabalhar com autonomia, ó Márcio, porque ela discutia a questão da linguagem autoritária. Palavras de ordem, discurso às massas, a gente fazia manifestações dizendo que massas é pão e macarrão… (risos) que era uma bela sacada pra questionar o discurso.
Entrevistadores: E é nessa época que se organiza a Rádio Chilique na PUC também?
Eduardo Valladares: A rádio Chilique também é dessa época…
Entrevistadores: O que é, o que que foi a Rádio Chilique?
Eduardo Valladares: A Rádio Chilique foi uma das primeiras rádios livres, que era chamado de rádio pirata, mas a gente chama de rádio livre, do Brasil. Teve uma experiência em Sorocaba e depois, logo depois, nasce a Chilique. Que também fiz parte, junto com o Marcelo Masagão. Que depois criou a Rádio Cuba, a TV Cuba, essa coisa toda, que vale a pena. Tem material da Chilique aos montes aí. A rádio Chilique ficava guardada em casa, na verdade. Que na época a gente morava, eu o Marcelo e um outro cara chamado Renato [incompreensível], a gente morava perto da PUC numa casa perto da PUC e ela ficava… era uma panela de… que foi guardada.
Entrevistadores: Sim, eu conheço bem essas histórias porque quando eu tava no jornalismo a gente criou um coletivo pra criar uma nova rádio livre na PUC, que foi batizada de Rádio Chiado, em homenagem à Rádio Chilique.
Eduardo Valladares: Então, a gente fazia alguns programas, eu participava… quer dizer, com a Rádio Chilique era autonomista, que cada grupo ficava encarregado de fazer um programa durante a semana.
Entrevistadores: Independente?
Eduardo Valladares: É, ali entrava… muita gente ouvia a Rádio Chilique e às vezes ela nem estava no Ar, então tinha essa mitologia muito grande. Eu tenho alguns programas da rádio Chilique ainda, gravados, depois eu te passo, se você quiser… Entrevistadores: Ah, a Rádio Chilique é um capítulo importante do autonomismo aqui em São Paulo…
Eduardo Valladares: É importante, nesse sentido… enfim, não quero… é que as histórias são longas e eu vou tentar sintetizar… Ganhou, depois de dois anos houve a vitória de um grupo autogestionário do DCE da PUC e esse grupo começou a organizar invasões, não só da reitoria, mas também de cinema, quando houve o aumento… eles queriam cortar a meia entrada dos estudantes, enfim… a gente também organizou invasões de cinema, invasões do MEC, foi feito um acordo… a gente chamou um congresso, acho, com os alunos da faculdade de Ciências Sociais, que era o órgão supremo pra tomar decisões. Como era um centro autogestionário, que ganhara as eleições, então não havia presidência, tudo era debatido, colocado em pauta, qualquer um podia propor sugestão de pauta. Era uma época bastante agitada, essa época dentro da Universidade. E eu lembro que um dos fatos mais importantes que, nesse congresso, que era o órgão supremo de decisório, de decisões de longo prazo, tirou- se que a UNE não representava mais os alunos daquela faculdade. Portanto era a primeira faculdade no Brasil que a UNE não representava oficialmente. A UNE era aparelho do PCdoB, já era naquela época. Então era engraçado porque eles falavam e a gente voltava: vocês não podem falar em nome dos estudantes da faculdade de Ciências Sociais da PUC São Paulo.
Entrevistadores: Ah, era só das Ciências Sociais, não era da PUC?
Eduardo Valladares: É, isso foi uma decisão nossa, foi uma decisão só das Ciências Sociais. O DCE, a gente garantiu a unidade de autonomia, eles podiam falar, mas não falar em nosso nome. A gente colocava em votação, e falava: eles não podem falar? Não, eles não falam em nosso nome. Eles ficavam putos. A UNE ficava puta (risos), porque a gente falava: Não, não, vamos colocar em votação. Assembleia, vocês querem ouvir esses caras? Não. Eles podem falar em nosso nome? Não. Se eles quiserem falar como pessoas individuais, têm todo o direito, não tem entidade nenhuma que… nós não reconhecemos a entidade nessa manifestação. Então esse sentimento de anarquia vem daí. Vem do movimento estudantil.
Entrevistadores: E essa ideia, a ideia de autogestão, ela… que vocês desenvolvem… ela é baseada em leituras, em coisas prévias ou é uma coisa orgânica que se desenvolve?
Eduardo Valladares: Não. Insisto, acho que a ideia de ser anarquista não envolve necessariamente a leitura. Óbvio que pode envolver. Óbvio que, evidentemente, a minha formação vem daí, mas ela vem depois. Ela vem depois pra dizer olha, estou fazendo isso. Tinha muito isso em 68 também, essas manifestações. Se recuperava o espírito anárquico de 68, até porque eu acho que na época alguém tinha feito… eu tinha feito uma disciplina sobre 68, na universidade, sobre 68, então tem uma recuperação que vem por 68 na universidade. Que chega até nós por isso aí. Então o anarquismo não chega pela militância clássica. Ele chega pra nós, em mim, pro meu próprio grupo, por 68…que a gente faz uma invasão cultural da PUC, no dia da invasão, que de fato invadiram, dia 22 de setembro. Então pra recuperar essa ideia da invasão, a gente recupera pelo termo da cultura, nós tivemos um dia inteiro de música, de ocupação da universidade, palestras, atividades culturais. Então tem essa ligação com isso. Eu lembro que na época a PUC estava discutindo um congresso que discutiria as regras que a PUC São Paulo adotaria. E nisso a gente trouxe três elefantes… Não sei se você conhece essa história
Entrevistadores: Eu sei, eu conheço essa história…conta aí pra gravar…
Eduardo Valladares: Havia uma discussão enorme sobre a convenção, que os [incompreensível] valeriam pra PUC inteira, aquela coisa de escolha de reitor, quais seriam as normas. Aí eu me propus, eu lembro que eu fui… até fui eu que fui conversar junto com outros dois, três caras com o dono de um circo na periferia de São Paulo, a gente falou que queria fazer o desenvolvimento do circo, apoiar o circo e ele topou, só que ele não sabia quando o elefante chegou a gente colocou uma faixa: A universidade brasileira. Que era uma sacanagem com o que estava sendo discutido naquela época que era um corpo pesado, gigantesco, lerdo e com um cérebro pequenininho (risos). Nesse meio tempo, você conhece, pra quem conhece os prédios da PUC, tem o prédio novo, que é um prédio alto, era um… tinha uma faixa enorme com uma frase do Einstein, que dizia, basicamente, eu não lembro mais exatamente qual era a frase, mas era basicamente essa a ideia: “Até quando os melhores cérebros de nossa juventude serão incinerados nos fornos crematórios das universidades?” Eu tinha ido no mercado da Lapa comprado miolo de boi e ficava jogando num tonel cheio de… queimando de gasolina com carvão. Ficava aquele cheiro de cérebro, de carne queimada…
Entrevistadores: Você zoou os veganos, mas hoje não rolaria isso (risos)
Eduardo Valladares: Eu não sou vegano (risos) e na época não havia nem vegano ainda (risos)… Então isso era uma provocação o tempo inteiro. Haviam provocações que não… que o anarquismo não era só no campo da política. Era também no campo dos costumes. Aquela discussão sobre papeis sexuais, da discussão sobre liberdade sexual, na liberdade no uso de drogas, teve um… eu tomei processo em função da PUC na época.
Entrevistadores: E você chegou a ser expulso, ou não?
Eduardo Valladares: Não, mas fiquei 30 dias suspenso, enfim, depois teve uma mobilização e aí a situação não ficou… pior que eu não fiz… eu fui punido… eu fiz um monte de coisa, mas aquela época eu não fiz. Alguém colocou um cartaz dizendo que o papa praticava… era uma discussão sobre… tinha… obviamente que numa universidade católica tinha a juventude católica. A pastoral católica dos estudantes. Eles tinham colocado uma faixa no início do semestre falando sobre… dando boas-vindas aos calouros, aquela coisa toda, e eu coloquei uma do Nietsche, do anticristo. Uma discussão teórica, eu tinha saído da Letras, tinha ido pra Filosofia e o motivo que tinha me levado era o Nietsche, eu tinha lido o anticristo e tinha colocado uma frase do anticristo. E alguém colocou uma frase marota, dizendo que o papa praticava onanismo. (risos) qualquer coisa do gênero. Não era meu cartaz, eles sabiam disso e queriam que eu alegasse… abriu um processo, eu falei: essa letra você sabe que não é minha aí eles foram lá e arrancaram esse cartaz, eu fui lá e recoloquei de novo. Eu posso não concordar com o que tá aqui, mas é um direito deles de colocar o cartaz aqui, ninguém arrancou o cartaz da pastoral católica, portanto o cara que colocou tem o direito de mantê-lo aqui. E os vigias viram eu colocando o cartaz. Mas eu disse, esse cartaz não é meu, a letra não é minha…abriram um processo e eu falava esse cartaz vocês sabem muito bem que não é meu, vocês sabem que o meu cartaz é esse que tá aqui, estava lá o cartaz. Essa letra não é minha, fosse minha eu assumiria, mas eu não vou entregar quem fez. Eles queriam que eu falasse quem foi o autor do cartaz. Se ele quiser falar, fale. Então a acusação caiu… foi interessante que a reitoria…os alunos se mobilizaram, na época, a direção da faculdade foi contra a expulsão e acabou morrendo Enfim, tem um monte de coisa na universidade, que não é o caso agora, um monte de coisa que vem daí.
Entrevistadores: Sim, entendi.
Eduardo Valladares: Vem daí, minha aproximação com o anarquismo depois teórico, meu mestrado, foi sobre anticlericais. O Márcio ficou me sacaneando agora há pouco, mas eu me defino por três questões básicas, que são as únicas que eu aceito coletivamente. Eu estou muito mais próximo do anarco-individualismo, você vai perceber, do Stirner. Eu sou palmeirense, como identidade coletiva (risos), primeira coisa mais importante (risos), segunda, sou anticlerical, talvez pelo fato de eu vir de uma família extremamente católica e, terceiro, sou anarquista, nessa exata ordem dos fatores.
Entrevistadores: O Palmeiras vem primeiro? (risos)
Eduardo Valladares: Claro! Depois que eu descobri que tem um grupo anarquista antifascista no Palmeiras, eu estou cada vez mais convicto do meu Palmeiras em primeiro lugar (risos). Mas vem bem nessa ordem. Então meu mestrado foi sobre anticlericalismo, meu doutorado foi sobre o discurso do PC no pós guerra que também tem a ver com um discurso autoritário. O questionamento do autoritário.
Entrevistadores: E aí depois você termina a graduação e então você já engata na pós, na pesquisa, ou não?
Eduardo Valladares: Não, na época eu ainda estava na Letras, na Filosofia…
Entrevistadores: Você tá falando de quando, Edu?
Eduardo Valladares: 85, 86… nessa época… eu terminei a faculdade em seis anos, a PUC em seis anos, cinco anos, porque eu fiz, eu acabei fazendo licenciatura. Aí larguei a Letras e fui pra Filosofia, fui fazendo aos poucos. Depois emendei o mestrado, depois o doutorado. Mas então, a militância forte, foi nessa época. Da refundação do Centro Cultural Social, também foi importante, que era um contato com outros grupos, não só estudantes. Mas você tinha a participação de estudantes, junto com o pessoal da periferia - os anarcopunks, os velhinhos, era um encontro de gerações.
Entrevistadores: Você definiria, os principais grupos… são esses três, você acha?
Eduardo Valladares: Nesse momento, nos anos 80 em São Paulo, sim. Aliás, eram os únicos que existiam.
Entrevistadores: Sim, era o movimento estudantil autogestionário, na PUC, os velhinhos…
Eduardo Valladares: Alguns núcleos que tinham em outras regiões do Brasil, nos congressos da UNE a gente acabou tendo contato com outros grupos anarquistas, que também estavam se organizando no resto do país…
Entrevistadores: Esses movimentos de periferia, que tinham um caráter mais autônomo assim, talvez não usando essa palavra ainda, ou aí não havia conexão…
Eduardo Valladares: Isso eu fazia quando era estudante secundarista. Eu participava de movimentos na época, mas era o movimento secundarista.
Entrevistadores: Mas na refundação do CCS são os anarcopunks, basicamente?
Eduardo Valladares: Não, são os anarcopunks, são os militantes velhos, a velha geração tinha… e o Tragtenberg, e alguns intelectuais, e um grupo de estudantes que também assinam a ata de refundação. Eu lembro que quando a gente pegou o documento para refundar, tinha nossos nomes, você percebe pelas letras os nomes. Então você tem esses três grupos que se fundem.
Entrevistadores: E esse pessoal mais antigo que vem da tradição do anarco- sindicalismo de São Paulo…
Eduardo Valladares: Seria interessante… é que vocês provavelmente não conheceram o Jaime Cubero. O Jaime Cubero era de uma gentileza e de uma compreensão de que o anarquismo tinha que ser renovado. Que a formação que ele teve, obviamente não era a mesmo. Pro Jaime Cubero, eu indico fortemente que vocês falem com alguém que escreveu um mestrado sobre ele que foi o Paulo… o Paulinho… eu chamo de Paulo Punk, mas é o Paulo Borges. O Paulinho, ele escreveu o mestrado dele sobre o Jaime Cubero. Ele entrevistou o Jaime Cubero… O Jaime Cubero depois fez parte da revista libertária. Na origem da revista libertária ele é um dos editores da revista. Enfim, foi um elo de ligação importante, talvez o grande nome da ligação desses grupos tenha sido ele. Esse congresso, esse ciclo de palestras que a PUC fez, foi importante porque atraiu um monte de gente pra estudar anarquismo. E como ela lotou, a ideia era gerar um livro e acabou ficando parada, até…engraçado, um dia desses mexendo eu encontrei lá no meu quarto, numa das caixas os antigos…
Entrevistadores: E você lembra em que ano que foi essa?
Eduardo Valladares: Posso pegar, eu tenho os cartazes. Historiador guarda coisas. Acumula papel. Tenho tudo guardado, preciso olhar, de cabeça não vou lembrar. Talvez 82, 83…Nessa data, no mesmo ano estava sendo refundado o CCS.
Entrevistadores: E com a refundação do CCS, depois da refundação do CCS, você passa a frequentar? Ou…
Eduardo Valladares: Sim, sim. O CCS ainda era no Brás…
Entrevistadores: Que agora tá na Mooca, né?
Eduardo Valladares: Não, ele vai depois pra Mooca, quando ele fecha, ele tá no centro da cidade, na General Jardim.
Entrevistadores: É, ali na Santa Cecília
Entrevistadores: Ah, não sabia…
Eduardo Valladares: Na General Jardim… É perto da General Jardim, quer dizer, não sei como é o nome daquela rua… É General Jardim?
Entrevistadores: É General Jardim
Eduardo Valladares: É lá, né?
Entrevistadores: É, eu tive lá no mês passado…
Eduardo Valladares: Só que é do lado de cá do… e esse também, eu participo também desse processo junto com a Bia Tragtenberg. Era na casa dela que se faziam as reuniões pra arrecadar fundos pra comprar essa sede nova. A gente ficou provisoriamente na casa de uma ex-militante, que era um lugar distante, era nos fundos da casa, até que foi comprado esse lugar no centro da cidade de São Paulo e aí tem um papel importante da Bia Tragtenberg, a esposa do…a ex-companheira, a viúva, na época, já…
Entrevistadores: Edu, outra coisa, que você não citou ainda, é… todo aquele movimento em torno da formação do PT, das iniciais do PT, que inclusive tinha uma galera autonomista que estava lá…Éder Sader, tal…
Eduardo Valladares: Na verdade… tinha o Éder Sader, mas na verdade a campanha de 82, com a anistia, voltaram pro Brasil alguns refugiados. Entre eles a Marijane Lisboa, que havia sido mulher, companheira, do Travassos, que tinha ido com ele no exílio, aquela coisa toda, e voltou a Caterina Koltai, que era talvez um grande momento da militância autonomista aqui em São Paulo. Como o único partido de esquerda, de fato, era o PT - e o PCdoB na época era um partido de esquerda, diferentemente do que ele se transformou posteriormente, e era um partido autonomista, a campanha da Koltai foi uma campanha de discussão sobre costumes. Era descriminaliza a maconha, descriminaliza o aborto, aceite a ideia da liberdade sexual… Eu tive contato com isso na época na universidade, a gente já era ligado ao movimento libertário e o PT parecia na época algo libertário, ele tinha essa configuração libertária que é algo ele vai perder rapidamente…
Entrevistadores: É? Vocês viam no começo, assim essa…?
Eduardo Valladares: Sim! Tanto é que a gente participou da campanha da Koltai. A Koltai se tornou uma grande amiga da minha irmã, elas moraram juntas, são amigas até hoje, enfim, sou amigo da Koltai até hoje, é uma pessoa por quem tenho um profundo carinho e a Koltai sofreu processo. Ela foi ameaçada, foi aberto inquérito contra ela. E acho que, pra você, acho que vale muito a pena ler os panfletos da campanha do desobedeça. Era uma campanha de desobediência civil. Isso em 82, é bom lembrar que ainda havia Ditadura. O AI5 já tinha sido obviamente anulado, no último dia de 78, mas havia um clima de Ditadura no Brasil ainda, e a campanha de desobediência foi uma campanha importantíssima no sentido autonomista.
Entrevistadores: Os pais da Isa, minha companheira, eram… eles são presos em 84.
Eduardo Valladares: É, o PCdoB, os partidos de esquerda, ainda eram perseguidos. Lembro disso, não dá pra esquecer disso. Então a campanha desobedeça é um marco, acho, que vale a pena aprofundar esse debate sobre ela, porque foi uma campanha… dá até pra entrevistar a Catarina Koltai. Ela tinha passado o exílio na França, dado aulas, e vem pra cá e se lança numa candidatura… ela não tinha nenhuma experiência política. Na verdade, era uma coisa curiosa porque as decisões eram feitas em assembleias. O que ia ser falado, o panfleto que ia ser feito, não tinha a ideia de um candidato que impõe. Havia reunião…
Entrevistadores: Ou seja, era uma cultura libertária mesmo, né?
Eduardo Valladares: Sim. O Marcelo Rubens Paiva participou dessa campanha. Ele tinha acabado de sofrer o acidente na UNICAMP, era um moleque, como todos nós, na época. Era estudante, enfim… era uma campanha bastante interessante porque ela conseguiu 19 mil votos pra num partido que era recém-lançado. Ela quase virou vereadora em São Paulo. Aqui as decisões eram todas coletivas, então tinha esse caráter libertário. E foi financiada por 2 festas. Também era uma campanha basicamente barata, porque eram panfletinhos…então tem essa ligação do movimento libertário dessa época. Então eu queria recuperar, mais pra frente, no final do início dos anos 2000, a Revista Libertária, já pulando etapas, foi encontro… o Plínio, você obviamente conhece, o Plínio Coelho tinha uma editora, a Imaginarium, ele lança a Libertárias 1.
Entrevistadores: E isso, a Libertárias 1 é de quando, Edu?
Eduardo Valladares: Cara, eu juro que eu preciso olhar…
Entrevistadores: Não, tudo bem. Fim dos anos 90, começando anos 2000 assim…
Eduardo Valladares: É, final dos… meados dos anos 90, 90 e poucos que o Jaime estava vivo. Eu passo pra você os números da Libertárias todos e aí tem as datas todas, é fácil olhar. Aí no número 2 eu já começo a fazer parte da Libertárias, do conselho editorial, eram 8 ou 10 pessoas. Algumas reuniões foram feitas em casa, outras na casa do Edson Passeti, que era também membro das Libertárias, que era uma casa maior, portanto era mais fácil reunir as pessoas… também tem um papel importante de agrupar os grupos anarquistas libertários…A Libertárias tem um papel fundamental na história desse movimento de autonomia, de anarquismo. Embora seja, o núcleo duro, fosse essencialmente de anarquistas, porque tinha a Margareth Rago, tinha o Jaime Cubero, o Edson, eu, a Salete, que fazia parte na época, o Roberto, que hoje acho que é diretor, ou na época era diretor… não sei, na última vez que eu o encontrei ele era diretor de um departamento lá da PUC do direito… Tinha, quem mais… como era o nome do cara lá do Rio? Do Rio não, do interior de São Paulo, tá aposentado…o Sérgio Norte, o… lá de Campinas, qual o nome dele também? O Sílvio Galo… Enfim, era… O Sílvio Galo, como era de fora, e eles participavam não diretamente do grupo editorial, mas eram todos anarquistas. Todo mundo se assumia como anarquista ou libertário, nas suas várias correntes associadas.
Entrevistadores: E, nesse momento, já existia um movimento anarquista organizado em São Paulo?
Eduardo Valladares: Eu saí da universidade, o centro acadêmico na mão dos anarquistas durou até mais uns 6, 7 anos, até que evidentemente as… ele decaiu muito e virou algo autoritário. A autogestão, na minha concepção, era… não era criar uma diretoria de autogestão, que isso não existe, mas é levar as discussões pra qualquer discussão ter que passar por um conselho… você não vai decidir que não vai ter mais eleição. As eleições renovam se as pessoas querem continuar ou não numa anarquia, aquele processo autogestionário. O Centro Acadêmico não pode ser anarquista. O Centro Acadêmico é uma entidade sindical que representa os estudantes. Ele não pode assumir um…seria tão ruim torná-lo um centro acadêmico anarquista como torná-lo um centro na mão do PCdoB, um aparelho do PCdoB. Eu acho que a minha concepção de anarquismo envolvia obviamente, uma entidade sindical que representa [incompreensível] de diferentes posições políticas não pode ser anarquista. Ela pode ter militância anarquista, que eu torço seja majoritária. Seja hegemônica, mas não pode ser somente aquilo. Então ela se torna um aparelho dos anarquistas, que é tão odiado, odioso como a UNE ser um aparelho do PCdoB até hoje.
Entrevistadores: E no movimento sindical, pra além da universidade, tinha correntes anarquistas nessa época, ou não?
Eduardo Valladares: Não, tinham poucas presenças. Você tinha na periferia, você tinha algumas comunidades que eu dei palestra, muitas, de coletivos anarcopunks que começam a organizar casas coletivas, que começam a se juntar pra morar, tem residências que funcionavam com entidades autônomas na periferia de São Paulo, então você tinha esses coletivos, essas casas…
Entrevistadores: Um pouco no mesmo modelo das ocupações na Europa, essas coisas assim?
Eduardo Valladares: Algumas eram ocupações, mas outras eram literalmente… eles pagavam alugueis nas periferias e viviam nessas casas. Eram veganos, era forte o movimento vegano, ou pelo menos vegetariano nessa época, mas era bem forte essa molecada. Sobre essa molecada eu te passo mais uns contatos. Vale a pena entrevistá-los. Eles tinham várias casas em São Paulo, você tinha isso, né, tinha essa pluralidade. Obviamente que a gente vinha de uma classe média, os estudantes, nós todos, vínhamos de uma classe média, eles vinham de outra classe social, só que convivíamos perfeitamente. Que eu achava que aquilo não era uma questão já como a gente se propõe de destruição das classes, é bom lembrar sempre disso, né? Uma sociedade sem classes. Então tinha isso, essa divisão de um meio intelectual, que acho que tem uma força que começa com a Margareth Rago, lançando o livro dela, “Do cabaré ao lar”, que era, acho que era a tese dela, acho…
Entrevistadores: Dissertação.
Eduardo Valladares: Ah, é a dissertação dela? Enfim, é um belo trabalho, a Margareth já é uma referência no movimento anarquista, quando a gente começa a estudar o anarquismo é óbvio que a gente vai ver as palestras da Margareth, que é uma jovem professora na época, tinha trinta e poucos anos, assisti palestra dela na Sociologia e Política, o Edson Passeti também ainda era um jovem professor, também começa a se aproximar do anarquismo, então você tem essa militância, que é intelectual, você tem um núcleo intelectual de professores, onde as pessoas todas vinham da universidade. Tem o Jaime que era uma universidade… no sentido da criação dele, ele tinha uma formação bastante sólida. E daí é que nasce o ICAL. O ICAL nasce de uma discussão dentro da Libertárias
Entrevistadores: Como nasce o ICAL?
Eduardo Valladares: Nasce da ideia de recriar um espaço… o Centro de Cultura Social acho que na época estava sem sede… nasce das discussões dentro da Libertárias de ter um espaço de reunião. Era pra ser… No último momento o Edson, por alguma pressão interna da PUC, ele resolve recuar. Eu, Plínio…
Entrevistadores: Era pra ser na PUC, é isso?
Eduardo Valladares: Não, a gente estava pensando em alugar uma casa, procurar uma casa, mas o Edson por algum motivo acho, alguma questão… o nome dele apareceria, obviamente…daí fui eu e o Plínio e um cara que é Zé Roberto, acho que é o nome dele, ele tá na universidade de Goiás hoje. A gente se reúne e resolve, mais uns três quatro, mais umas quatro, cinco pessoas, chamei alguns outros militantes, ex- colegas, amigos meus da PUC, da época da PUC, a gente resolveu bancar por nossa conta.
Entrevistadores: Quando, isso?
Eduardo Valladares: Cara, eu acho que foi no ano 2000 ou 2001, eu preciso pegar as datas que isso é fácil achar. Enfim, vocês estão me perguntando algo que… você sabe que… eu sou historiador, história oral você tem que dar conta das lacunas que… eu sei as datas históricas (risos)
Entrevistadores: Não, sim, eu só pergunto pra você porque facilita o meu trabalho (risos).
Eduardo Valladares: É, não, essas datas eu tenho todas, é 2000, 2001… a memória evidentemente tem lacunas, principalmente quando você tá contando a tua história pessoal. Essa é mais lacuna ainda e, portanto, eu tenho um desconto… bom, você sabe o que é história oral. Vocês são historiadores…
Entrevistadores: E deixa eu só te interromper agora, pra fazer uma pergunta rápida. Quando que você descobre a AGP, quando que você sabe, quando que você ouve pela primeira vez a AGP…
Eduardo Valladares: Quando estava sendo organizada uma reunião no Tendal da Lapa, se não me falha a memória, sobre o S26. Uma reunião chamada, chega a mim e eu vou participar dessa reunião.
Entrevistadores: Puta, eu acho que estava o Pablo lá. Pode ser o coletivo do Pablo…
Entrevistadores: É o coletivo que… da Ação Local por Justiça Global, né?
Eduardo Valladares: É, acho que foi esse grupo que chamou pela primeira vez. Eu lembro que era uma reunião, eu já participei e aí a gente começou… participei das manifestações, obviamente…
Entrevistadores: Do S26?
Eduardo Valladares: Sim
Entrevistadores: E qual é a memória que você tem do S26?
Eduardo Valladares: Como o A20 ficou muito mais forte, o S26 acaba ficando uma reunião… foi importante, porque era uma reunião de grupos autônomos, tinha essa concepção, foi importante pra conhecer pessoas, que eram… garotas, havia uma juventude que era… havia uma molecada que era muito integrante, embora fosse uma molecada de 15, 16, 17 anos, que nos ensinava sobre anarquismo no sentido prático. Isso era bem interessante, elas sabiam muito bem… Eu lembro até hoje de uma vez, numa manifestação que eu já não me recordo qual foi, na Paulista, em que alguém parou pra gritar no Banco da Nação Argentina, contra a Ditadura da Argentina e mandando “Vai se fuder, vai tomar no cu” e as menininhas desse tamanho que estavam passando, deram um esporro: “Isso é machista” e tal… e que elas estavam perfeitamente cobertas de razão. Porque essa discussão tenta ofender… tomar no cu não é necessário algo ruim, se o cara é homossexual gosta daquilo, se ela for uma garota, gostar de sexo anal. Eu olhava praquilo (risos), aquelas meninas dando esporro naquele bando de anarquistas velhos falando aquelas asneiras. E elas estavam corretas, cobertas de razão. Então o S26 eu tenho essa memória, dessa reunião, se não me engano no Tendal da Lapa, que acho que era um lugar, um dos poucos espaços na época… Tendal da Lapa, não… qual que era um outro lugar, que não é o Tendal da Lapa? O Tendal da Lapa é onde seriam as reuniões…
Entrevistadores: Onde rolam as Feiras [Anarquistas em São Paulo]? Não era no próprio Centro de Cultura Social?
Eduardo Valladares: Teve no Centro de Cultura Social, mas essa foi na Lapa, não no Tendal… onde tem futebol, lá na Lapa também… um espaço aberto da Lapa, não é o Tendal. O Tendal da Lapa era na Guaicurus, esse era mais pro alto da Lapa. Tem jogo de futebol… é um lugar… eu te pego depois, é fácil também depois lembrar esse lugar. Enfim, essa foi importante, mas ali não tem a dimensão que terá o A20. O A20 foi muito mais… melhor preparado… tinha comissões específicas…
Entrevistadores: E as reuniões de preparação do A20 já foram no ICAL?
Eduardo Valladares: Eu acredito que sim, porque várias foram no ICAL. Porque aí é um espaço que já tinha…
Entrevistadores: Nessa época o ICAL já estava funcionando…
Eduardo Valladares: Já, já… O ICAL começou a funcionar, eu posso pegar as datas exatas… porque havia reuniões por comissão, e aí você tem na PUC o treinamento… na PUC não, na USP, na história, o treino de Ação Direta, a preparação dos escudos com pneu de caminhão, você tem treinamento de resistência que não deu certo, durou 15 segundos (risos), você tem a organização da comissão de justiça, que vai depois… foi modificando. Vai ter comissão… pessoas que ficam encarregadas de cuidar das pessoas machucadas, aquela coisa toda…
Entrevistadores: E como surge essa iniciativa de realizar as reuniões preparatórias no ICAL, como é que é esse contato?
Eduardo Valladares: Eu fazia parte. O ICAL existia, era uma sala grande, simples assim. Não tinha… o ICAL nasce pra reunir grupos. Nessa época esse era um grupo importante. Então era… era um dos grupos que funcionavam dentro do ICAL, durante esse período. Eu acho que o 11 de Setembro foi o golpe mais duro que a gente sofreu em 2001.
Entrevistadores: Isso que eu ia te perguntar: Depois, tem o A20, que dá uma visibilidade grande pro movimento, e o pós A20, como que você vê, assim?
Eduardo Valladares: Eu lembro que o A20 foi algo marcante porque eles prenderam muita gente. Eu não fui preso no A20. Eu lembro que eu fui à delegacia lá na Rua Augusta, e os policiais começaram a detectar intimidade e aquela coisa toda, sabiam quem eu era, obviamente… e eu comecei a… e tinha uma menina que era filha da Margareth Rago, era uma adolescente, que vale a pena também entrevistá-la, que é…que era uma gracinha, que era meio que um xodó dos anarquistas, porque a gente conhecia ela desde pequenininha, a Marina. A gente conhecia a Marina desde piveta, ela ia nas reuniões… teve um encontro em Florianópolis pra decidir se a gente fundaria uma federação anarquista.
Entrevistadores: E isso quando?
Eduardo Valladares: Puta, cara, eu juro que eu posso achar essas datas todas pra vocês depois que eu tenho esses documentos todos guardados. Foi mais ou menos nessa época, e era um grupo importante, porque aí você tinha um grupo de anarquistas mais conservadores que eram contra, achavam que ia… não, que ia… enfim, tinha gente do Brasil inteiro nesse encontro em Florianópolis. E eu lembro que eu quebrei o pau com esses caras e a gente falava: não, para com isso, a gente tem que criar a federação, a federação não anula os grupos… faz parte da tradição anarquista o federalismo. Então tinha essa preocupação já de tornar nacional esse movimento anarquista. Até porque as manifestações também eram… apesar de São Paulo ter sido o foco das manifestações contra a globalização e contra o capitalismo e é bem legal dizer que é à globalização capitalista que a gente se opunha, nesse aspecto, também era contra a ALCA. Esses movimentos nascem junto com os movimentos contra a ALCA. A ALCA obviamente deixou de existir, foi um projeto que não deu certo, mas na época era muito forte a ideia de criação da ALCA. Ele nasce de um protesto contra a ALCA. Há em Florianópolis, há no Brasil inteiro protestos contra a ALCA. Alguns organizados pela igreja inclusive, alguns setores da igreja. Então nasce desse processo. Eu lembro desse do A20 porque ele nos marcou muito, pela violência… eu lembro que eu fui tirar pessoas da cadeia, passei o dia todo… cheguei em casa no final do dia, já era noite alta, até todo mundo sair… o Pablo sofreu um acidente e foi operado, eu fui visitá-lo…
Entrevistadores: Ah, ele chegou a ser operado?
Eduardo Valladares: Eu fui visitá-lo no hospital, ainda passei no Hospital das Clínicas porque é perto da minha casa. Assim, eu estava voltando pra casa, eu soube que ele estava lá, eu soube que ele estava… na época a companheira dele era a Lílian. Lá no hospital eu conversei com ela, ela estava bem… porque teve muita pancadaria, naquela… Vale a pena entrevistar, e aí eu estou falando sério, o comandante [da Polícia Militar] daquela operação.
Entrevistadores: O capitão?
Eduardo Valladares: Eu não sei se era capitão ou major, atualmente… ele virou, ele defendeu sua tese na PUC. E a gente tentou boicotar várias vezes a tese dele… (risos) Ele não gostou muito de levar uma torta na cara. Enfim… Vale a pena entrevistá-lo porque ele é um cara importante na reconstituição dessa história. Ele é um milico, obviamente, ele é um policial, mas ele tem uma característica: ele sabe… ele estudou, ele não é uma anta. Ele não é bronco e eu lembro que ele negociava com a gente quando explodia uma provocação. E estava eu conversando com ele e ele… quando tinha provocação, tanto do lado da manifestação, que obviamente haviam agentes policiais infiltrados, a gente logo percebeu, que eram pessoas que nunca apareceram no movimento político, de repente estavam lá agitando, tumultuando… depois a gente adotou uma tática para os infiltrados que eu acho que deve ser adotada até hoje. A gente colocava um dedão e ficava apontando - esse é infiltrado. Pra identificar: ó, esse é infiltrado. Esse é bundão. É fácil reconhecer alguns deles. Quando o movimento refluiu e aí eu lembro muito claro que depois dessa reunião que teve… logo depois veio o 11 de Setembro e aí a gente teve uma reunião pra discutir AGP. Pra discutir o grupo. E a gente percebeu que era um golpe contra os movimentos autônomos. Que a gente seria taxado de terrorista.
Entrevistadores: O pós 11 de Setembro, né? Como é esse momento, Edu.
Eduardo Valladares: A gente percebe, teve, eu lembro que as manifestações diminuíram depois do A20, mas ainda tinha há Impacto, há manifestações grandes na Paulista, numa delas a gente para a rua, finge a repressão… Comemora o primeiro ano do A20, lembro de uma passeata na Paulista comemorando um ano de A20. Mas o 11 de Setembro é um baque. E é percebido pela gente como um baque. Eu lembro de reuniões de anarquistas… logo após o 11 de Setembro…
Entrevistadores: Já tinha essa clareza.
Eduardo Valladares: Tinha. O A20 era um ataque, era nos colocar como terroristas. A AGP foi colocada como… na época havia um boato de que era um movimento terrorista. Então foi, eu acho, em grande parte… você teve Gênova, depois, daquele episódio todo, teve uma manifestação bem legal, não sei se vocês sabem, na frente do consulado italiano, em Higienópolis. Entrevistadores: Em julho, na época de Gênova, né?
Eduardo Valladares: Isso, de Gênova. Morre o garoto, a gente vai ter uma concentração que reuniu 200 pessoas. Pouca gente. Mas é uma manifestação importante, porque é na frente do consulado… o consulado nem tá mais lá, se não me engano, lá em Higienópolis. Enfim, mas já se sentiu o refluxo grande. O 11 de setembro foi um impacto… e a gente percebeu isso. Eu me lembro da reunião da gente falar “Puta merda”…
Entrevistadores: Quando acabaram as reuniões da AGP no ICAL, você lembra?
Eduardo Valladares: Quando o ICAL desapareceu. Durou um ano o ICAL. E eu fui… ele foi perdendo força e ele acabou por uma questão clara: a gente fazia… pra manter o ICAL, que era um projeto caro - que era uma casa de aluguel alto, aqui na beira no metrô Vila Madalena, um sobrado, um lugar extremamente caro. O que trazia… o que era curioso porque a gente fazia questão de ter aquele espaço. Algumas pessoas olhavam e falavam: Ah, mas porque vocês querem estar aqui? Porque aqui é um espaço. É fácil chegar… Era um espaço fácil de chegar. Era uma casa bonita? Era. A gente defende a beleza, não precisava ser uma casa caindo aos pedaços. Mas era muito caro e a gente começou a mancar… Na época eu trabalhava num cursinho, ganhava uma grana, então boa parte eu bancava com meu salário. E havia contribuição de outras pessoas, mas o Zé foi embora, foi fazer a vida acadêmica dele, o Plínio também saiu, foi… e acabou ficando pouco, foi diminuindo a presença e a gente começou a fazer festa pra bancar o ICAL. Fazer festa é legal, mas fazer, viver em função de fazer festa, começa a encher o saco. E eu precisava defender meu doutorado no ano seguinte, também.
Entrevistadores: Que era a mesma coisa que aconteceu com o Ay Carmela! também, né, depois?
Eduardo Valladares: É. Você começa a fazer festa pra bancar… faz festa… e a atividade da gente não era fazer festa, a gente queria fazer política. Como eu tinha de defender o doutorado no ano seguinte, eu teria que… eu já tinha o projeto de sair de São Paulo pra escrever a minha tese. E acabou fechando. O contrato não se renovou.
Entrevistadores: E isso foi em meados de 2002?
Eduardo Valladares: Foi final de 2002 que eu saí de São Paulo logo no meio do ano pra defender o doutorado, era no último semestre. Final de 2001, eu acho. O ICAL…houve um refluxo geral no movimento. Por isso que a gente fala do 11 de setembro, já, o reflexo já tinha sido percebido pela violência policial e o 11 de setembro meio que cancela todos eles. Aí não fazia muito mais sentido bancá-lo. Em 2012 ele já está fechado. Ele dura um contrato, eu lembro que a gente alugou aquele prédio por um ano. Eu era o fiador, o Zé era o locatário, a gente fechou contrato.
Entrevistadores: E tinha a revista?
Eduardo Valladares: A gente já não tinha mais, a revista já não estava mais, a revista existia mais.
Entrevistadores: A Libertárias termina quando?
Eduardo Valladares: Um ano antes…
Entrevistadores: Tem uma outra revista que você me deu, que era do ICAL…
Eduardo Valladares: o ICAL tinha um monte de coisa, o arquivo do ICAL é grande pra caramba. Tinha um arquivo gigante, o ICAL. Porque o ICAL tinha uma livraria, que funcionava dentro do ICAL, tinha uma biblioteca, tinha as salas todas de funcionamento… enfim, tinha um monte de atividade no ICAL: teatro, grupo de teatro, o pessoal vegetariano fazia reunião, tinha um monte de coisa.
Entrevistadores: E deixa te perguntar uma coisa, Edu. Na sua opinião, de que forma a AGP contribuiu pra renovação das lutas anticapitalistas no Brasil.
Eduardo Valladares: Ela era a luta anticapitalista no Brasil. Você pode dizer que existiam os sindicatos, os partidos de esquerda, mas eram insignificantes. Eu lembro até hoje numas discussões, eles sentavam, entravam na rabeira das passeatas. Como as manifestações tinham alguns critérios, que eu até hoje defendo, não havia carro de som, porque não interessa a liderança falando lá em cima. Não havia…a gente proibia os partidos de esquerda, que obvio que eles eram um grupinho de 20, colocavam faixa deles na frente. A gente tirava. Pra trás. E a gente fazia questão de votar. Eu lembro que algumas manifestações começaram a sair do prédio da Gazeta, onde… o prédio da Gazeta, Objetivo, da Fundação Casper Líbero. Era fácil, eram umas escadas. Fazia reunião: não pode. Então fica pra trás. Quer participar? Não vem com essa mania de colocar a tua faixa na frente, que você não representa essa manifestação. Essa geração que sai do cursinho do Anglo da Sergipe, alguns deles foram meus alunos, depois eles entram na universidade, muitos vão pra USP. Eles renovam de uma certa maneira…mas a AGP nesse momento, quando os sindicatos ainda tinham aquela estrutura extremamente conservadora, autoritária, de fazer o carro de som a liderança falando, as pessoas fingindo que tão ouvindo… a voz rouca parecida com as lideranças, são todos praticamente iguais, eu tenho dificuldade de entender. Parecem pastores de igreja conversando, que todos têm a mesma dicção, a mesma entonação…Não tinha sentido. Acho que a AGP foi fundamental…acho que essas manifestações antiglobalização, anticapitalistas foram importantes porque diziam claramente: nós somos anticapitalistas, esse é um processo não capitalista, é uma organização horizontal. Vocês são…eu não vou ficar falando pra vocês o que vocês já sabem. Quais são os princípios da AGP vocês obviamente os conhecem. Mas tem essa relevância que eu acho fundamental destacar. Ele recupera…ela nunca foi anarquista, embora ela tivesse preceitos anarquistas extremamente fundamentais pra nós libertários. Essa negação… você pode ter liderança, obviamente tem, mas liderança moral. A moral no sentido não da moral no sentido tradicional, a moral no sentido de: aquele cara se destacou pela sua atitude, pelo seu comportamento. E ele merece ser ouvido. Mas na reunião. Na passeata não tem discurso.
Entrevistadores: Você classificaria essa cultura política como autonomista?
Eduardo Valladares: Com certeza o era.
Entrevistadores: O que que é o autonomismo? Como você define o autonomismo?
Eduardo Valladares: Acho que isso eu deixaria pro Márcio, que é a tese dele, pra responder essa pergunta de vocês, o que é autonomista (risos)
Entrevistadores: Eu preciso de um pouco de cada um, que aí depois eu faço um denominador e tiro uma média…
Eduardo Valladares: Não, é que a autonomia nasce, não nasce com a AGP, não nasce nessa época. Você pode dizer que a autonomia nasce com a Comuna de Paris, se você quiser pegar um marco histórico, que eu acho relevante. A Comuna de Paris era autonomista. Então, se você quiser discutir, recupere 1871. Recupere, de uma certa maneira o que foi um revival da Comuna que foi em 68, que também é autonomista. Também recusa tanto o burocratismo soviético, os partidos comunistas, os tradicionais, como recupera também o ataque ao capitalismo. 1968 é um marco. As organizações são contra. O PC… Depois eu te passo alguns textos do PC francês descendo o pau contra o que eles chamavam de pequeno-burgueses autonomistas. Então se você quiser saber o que é autonomismo, recupere historicamente qual o período. Agora eu estou falando como professor de história, como alguém da área da história. Então depende de como você vai querer entender isso. Eu acho que inegavelmente o era, ela tem uma longa história em autonomismo. Acho 68, de certa maneira… eu tenho um livro sobre as revoluções no século XX. Eu acho que se você nasceu em 1917, com a revolução que segue o modelo marxista leninista, esse modelo, que serviu de modelo pra certos processos revolucionários, nas décadas seguintes, esse modelo foi modificado com a revolução chinesa, que é outro processo, já não é mais… a guerra popular prolongada não é o modelo da insurreição, do putsch de tomada do poder por um partido altamente centralizado. Modifica-se com a revolução cubana, que é bom lembrar, não é organizada pelo PC cubano, pelo Partido dos Trabalhadores cubano, e acaba de vez em 68. 68 é um marco importante nesse sentido. Esse modelo marxista leninista já não dá mais. Embora obviamente existam partidos marxistas leninistas ainda hoje. Pleno direito deles, embora sejam insignificantes como estrutura de mobilização política. Eu acho que quem mobiliza as manifestações anticapitalistas, no início dos anos 2000 foram movimentos autonomistas. E elas são as mais importantes manifestações, que foram manchetes em tudo quanto é jornais. Na imprensa burguesa, que não tem nenhuma simpatia, obviamente, por manifestações anticapitalistas. Então tem características. E eles ficaram na rabeira. Foi um momento histórico, inegavelmente, em que os partidos tradicionais de esquerda ficaram na rabeira. Quem puxa essa manifestação são grupos autônomos. Entre eles anarquistas. Repito: Entre eles anarquistas. Obviamente você tinha uma grande diversidade.
Entrevistadores: E quais são as características comuns desses grupos que você chama de autônomos? Ou, aliás, as diferenças?
Eduardo Valladares: Puta, quando você fala em grupos diferentes você tem… não sei se você tinha ideia do que era uma reunião preparatória. Você tinha uma porrada de grupos, e eram diferentes mesmo. Mas, insisto, não importavam naquele momento as diferenças. Importava o que tínhamos em comum.
Entrevistadores: E o que que tinha em comum?
Eduardo Valladares: A ideia da horizontalidade, que era algo fundamental, a ideia da autogestão, a ideia de negação de lideranças permanentes, que ninguém fala em nome desse coletivo, a ideia da mobilização, as práticas de manifestação acho que são extremamente inovadoras. De certa maneira a gente já tinha feito isso no movimento estudantil da PUC. De recusar lideranças, de fazer discurso para as massas, algumas coisas a gente recupera, que também eram inspiradas nos cartazes de 68. Que não tem, portanto… é bom você saber, como historiador, que você não tá criando muita coisa. Nós estamos repensando novas… a partir daquele momento histórico, as estratégias. Então nesse momento, esses grupos, que eram muitos… por exemplo, havia um grupo de meninas. Quando eu digo meninas, era garotas de 14, 15 anos, que se assumiram como feministas nesse contexto. Ora, esses grupos tinham pautas específicas. Diferente de outros grupos, como o pessoal do CMI, que tem outra pauta. Então, dizer que eles têm diferenças, tem um monte. Pra cada grupo que tinha lá era uma diferença com relação aos outros, então isso não era o que nos preocupava. O que nos preocupava era: O que nos une? O combate ao capitalismo, o combate à globalização econômica, o combate à ALCA, isso nos une. É o que basta. É o que basta. Essa ideia de você ter uma fricção de grupos distintos, com discursos distintos, ampliava o espaço de liberdade de todos os grupos. Então, óbvio que a gente era solidário às lutas feministas. E elas não te ensinavam sobre isso. Quer dizer, é óbvio que existia a questão ecológica. Haviam grupos veganos. Tudo bem que o Paulinho e alguns outros faziam churrasco pra eles (risos), no dia seguinte. E era um direito deles, e era um direito fazer um churrasco, eu o convidei pra um churrasco pra tomar cerveja. O espaço do ICAL era um espaço de encontro de anarquistas. Político, mas também um espaço social. Que acho que era interessante, era um espaço de vivência lá dentro. E palestras, aquela coisa toda. Então acho que isso era o que nos unia. As diferenças, cara, se você perguntar pra cada grupo, a sua pauta era distinta da nossa. Eu tenho claramente, clareza, que na época eu era professor, é diferente de uma pauta de um garoto que vem da periferia, punk. Eles vivem e têm preocupações diferentes. Mas era o que nos unia, o combate ao capitalismo nos unia. Então a pauta era… que são os eixos, que até hoje batiam com os meus também e batiam com quem estava lá. Portanto, por isso que eu falo, era possível ser anarquista e não participar de um grupo autônomo? Era. Alguns autônomos não se diziam anarquistas, embora todos se assumissem como libertários.
Entrevistadores: E você diz que essa cultura libertária que existia no ICAL, é uma cultura libertária que também existia no movimento estudantil da PUC dos anos 80, do qual você participou. Qual é a diferença daquele momento dos anos 80, da PUC, pra esse momento do ICAL, do começo dos anos 2000?
Eduardo Valladares: (risos) 15 anos? (risos) 15 anos você fica mais velho, você começa a ter… não tanto, mas um pouco maior grau de responsabilidade sob o que você faz… não muito, a gente também não era nada responsável… Tem diferenças, que são outros contextos, eram outras lutas, eram outros cenários, eram outras pautas de lutas. Alguns métodos, obviamente, permanecem, porque ninguém deixa de ser… um autonomista não pode ser autoritário. Não pode aceitar uma hierarquia. Então, obviamente… e cada vez mais, na época, acho que pouco preocupava o que… a tua definição do que você era politicamente. Não tinha… desde que você não quisesse mandar em ninguém, controlar, aparelhar aquilo lá… tanto que de vez em quando até os partidos marxistas tentavam aparecer. Os trotskistas principalmente. Logo perceberam que era perda de tempo, eles não teriam como ganhar nenhum quadro naquele espaço. Mas eles participavam, tentavam dar palpite… Perderam todas as votações. Eram discutidas as nossas questões em votações, mas se eu quiser eu não sigo, sigo a minha autonomia, ninguém pode obrigar…
Entrevistadores: E nesse momento, nos anos 2000, essa cultura libertária, você sentia ela mais forte nos anos 80, ou não?
Eduardo Valladares: Nos anos 80, obviamente, eu estava na universidade. Em duas, na verdade, mas a USP não era… o núcleo anarquista era bem menor na USP. O ano 2000 você tem uma efervescência de agitações políticas muito grande. É diferente, por exemplo, que eu participei, quando eu era moleque eu fui, em 77, eu fui ao ABC, nas greves, nos anos 80, as greves do ABC, a gente ia. Claro que a gente ia porque tinha aquela crença: olha o movimento operário também se mobilizou, é o novo sindicalismo surgindo… Acho que a experiência dos anos 2000 é diferente. Que eu já não era mais estudante… quer dizer, eu estava fazendo doutorado, mas você sabe, doutorado você sabe muito bem que é mais pesquisa do que ser estudante. É distinto, que eram grupos muito diferentes que se reuniam nesses encontros preparatórios. E aí você tem uma diversidade grande e ninguém tá querendo mandar em ninguém, porque isso é um absurdo, não faz nem sentido, aquilo.
Entrevistadores: E, por exemplo, você falou no CCS, nos diferentes grupos que participaram da refundação do CCS. Você identificaria setores, assim, dos grupos que participaram dessas reuniões da AGP? Eduardo Valladares: No CCS ou na AGP?
Entrevistadores: Não, na AGP
Eduardo Valladares: Havia alguns setores que eram mais identificados com o autonomismo. O Pablo, por exemplo, se identificava muito mais com o autonomismo do que com o anarquismo. Havia grupos anarquistas, havia anarcopunks, havia… no decorrer das manifestações, na assembleia, o black bloc, que também é um grupo distinto com quem a gente tinha algumas discussões. A gente falava: ó, vocês querem fazer, a gente tomou a decisão que não ia ter, em reunião tomamos, então você vai fazer por tua conta. Claro que a gente acaba sendo solidário, ninguém deixava o cara ser preso.
Entrevistadores: E o termo black bloc já se usava naquela época?
Eduardo Valladares: Não, ele começa a surgir porque vem de fora. Eu lembro que as experiências em grande parte vêm do que acontece em Seattle, que nasce em Seattle. E é importante perceber que em Seattle há uma tradição libertária histórica. Eu acho que se você quiser recuperar…
Entrevistadores: Que é uma tradição americana mesmo, né?
Eduardo Valladares: Tradição americana, o anarquismo libertário americano, libertarismo americano, que é diferente do libertarismo brasileiro, do anarquismo brasileiro, que é um outro tipo de anarquismo. Não é esse que nós estamos falando da costa leste e também da costa oeste no caso de Seattle. É diferente, é outro tipo. Seattle não era o primeiro movimento, mas emerge em Seattle, nas manifestações. A ideia de enfrentar a polícia… a gente estava habituado a fugir da polícia, em São Paulo. Desde o movimento estudantil a gente fugia da polícia. A polícia chegou, a gente fugia. A Paulista chocou os policiais porque a gente enfrentou. A gente foi pra cima.
Entrevistadores: Eles não estavam preparados pra isso…
Eduardo Valladares: É, eles não estavam preparados pra ver um bando de moleques com escudo de borracha de pneu. Durou pouco, mas foi uma resistência simbólica sobre aquilo. Eu lembro de manifestações de enfrentamento nas greves do ABC. Mas uma coisa é operário que tá lidando com fábrica e vai lá pro pau com a polícia… que devolve bomba de gás lacrimogênio… estudante costumava fugir. Lá a gente encarou a polícia. E usou uma tática que talvez funcionasse pra polícia… é que é difícil falar polícia civilizada porque nenhuma o é, em qualquer país do planeta. Mas em países mais democráticos, que os Estados são mais democráticos que a nossa.
Entrevistadores: Que têm instrumentos de controle e constrangimento maior…
Eduardo Valladares: É, um grupo resolve sentar e foi espancado…
Entrevistadores: Achando que ia sentar e…
Eduardo Valladares: Eram estratégias que vinham das orientações… E isso era algo fundamental também, que eu esqueci de falar também, o internacionalismo. Era uma marca…
Entrevistadores: É, isso eu ia te perguntar também…
Eduardo Valladares: É uma marca central no movimento libertário, no movimento autonomista. Você aprende com a experiência dos outros países e adapta à sua realidade local.
Entrevistadores: Você lembra de intercâmbios concretos, de grupos brasileiros com estrangeiros? Por exemplo?
Eduardo Valladares: Sim, sim. Por exemplo, esse treinamento foi dado por uma militante, se não me engano, canadense. Esse treinamento na USP de autodefesa, essa coisa toda. Você tinha participação, contato desse povo aqui. O próprio centro de cultura [social]…o CMI era altamente internacionalizado. Você tinha contato o tempo inteiro com o mundo inteiro. Contato, com trocas de informações com o mundo inteiro. Então o internacionalismo, ou seja, as lutas, evidentemente, contra o capitalismo, elas não se dão no plano local. Se dão no plano internacional. O combate ao capitalismo não se dá só aqui. Então esse intercâmbio era essencial dentro desse processo. Havia trocas, contatos, comunicações…
Entrevistadores: E você lembra de alguns grupos específicos, com os quais os grupos daqui tinham contato ou não?
Eduardo Valladares: Putz, eu vou lembrar de nome, não… Tinha… vieram algumas feministas pra cá também.
Entrevistadores: Não, mas normal, às vezes o contato é pessoal, também…
Eduardo Valladares: Não lembro. Eu lembro desse treinamento, eu lembro de outras pessoas… mas, até porque a gente tentava evitar que essa pessoa fosse pega pela polícia. Havia, evidentemente, infiltração policial… quando a AGP, quando as primeiras [incompreensível] do S26, eram mais fáceis, eram poucas pessoas. Depois do A20, cara, a polícia se infiltrou e se percebia claramente. Então aí ficou a questão da segurança como uma pauta importante. Então nós estamos fazendo uma atividade numa época, num país que tá… depois do 11 de setembro, principalmente era mais complicado ser taxado de terrorista. Então você tem um maior cuidado. Então essas informações ficavam mais estanques. Pra não serem divulgadas. Entrevistadores: Só uma coisa, você não falou dos zapatistas…
Eduardo Valladares: Havia os zapatistas na época, é bom lembrar disso. Tinham núcleos zapatistas aqui em São Paulo, que também atuavam nesse processo.
Entrevistadores: E eles participavam das reuniões da AGP.
Eduardo Valladares: Sim, sim. Tinha palestra dos zapatistas no ICAL. Havia a presença de pessoas que iam pro México, ter contato… que o zapatismo também é um movimento autônomo, num certo sentido, em vários aspectos. É uma luta que recupera… Zapata nunca foi autonomista, mas o movimento que nasce, como era o nome do comandante?
Entrevistadores: Sub-comandante Marcos.
Entrevistadores: Que é bem legal…Sub-comandante Marcos. Então havia essa discussão também, a gente acompanhava essa discussão dos grupos zapatistas aqui, havia militantes zapatistas… então foi uma época de efervescência grande de movimentos autônomos. Que a luta do México, de Chiapas, não era exatamente a luta da Paulista. Mas havia pontos em contato. Eu insisto nesse tópico do internacionalismo. As lutas eram internacionais, o enfrentamento era internacional e, portanto, o que acontecia no movimento internacional afetava aqui. Por exemplo, o que aconteceu em Gênova era específico da Itália. Tinha um garoto libertário, anarquista, sendo morto. Então há solidariedade. Isso faz parte, historicamente o movimento anarquista e o movimento autonomista sempre foram internacionalistas. O discurso nacionalista nunca compôs agenda desses movimentos. É por isso que eu faço distinção, eles não são a mesma coisa, obviamente.
Entrevistadores: Eu não sei se você concorda, mas o Bruno havia perguntado em quê a AGP renova, parece que o internacionalismo estava meio esquecido pela esquerda brasileira e a AGP parece que ela tá…
Eduardo Valladares: Sim! Ela recupera a ideia que era necessário fazer contatos, que esses contatos são essenciais, que a solidariedade se faz além das fronteiras. Na verdade, danem-se as fronteiras. Não tem nenhuma relevância. E o discurso não é… que a esquerda tradicional fazia um discurso extremamente racionalista, nacional desenvolvimentista, herança desse modelo ainda dos anos 50. A parte comunista do Brasil ainda hoje adota um discurso nacionalista. O Partidão também o adotava. A esquerda sindicalista também o adotava, enfim… Há um componente internacionalista gigantesco nas manifestações da AGP que eu acho que é um tópico que eu acho que deve ser abordado com extremo cuidado, esse intercâmbio, como é que… você se lembra o que era o CMI, né? O CMI era internacional, era uma rede internacional. Até porque as redes, e aí acho que tem um aspecto tecnológico. O avanço das comunicações via web. Você tem uma internet que nos permite fazer essa comunicação de maneira muito mais rápida e eficiente. Era diferente da época do telegrama, de carta…
Entrevistadores: Você diria que, de certa forma, essas novas tecnologias de comunicação elas casam com uma certa tradição libertária?
Eduardo Valladares: Claro. O anarquismo sempre foi internacionalista. Não existe a ideia de defesa da nação. Bom, não vou ficar falando de história pra historiadores, mas o discurso do século XIX, o discurso nacional foi combatido pelos anarquistas. Então eu acho que esse é um discurso muito forte.
Entrevistadores: Mas eu digo pela organização em rede, libertária
Eduardo Valladares: A organização em rede é o elemento central dessas lutas. Porque não existe a ideia de um comando. Que que é o oposto da organização em rede? A terceira Internacional. Onde Moscou controlava todos os partidos. Ora, a gente tem uma contradição, a gente tem o que a gente não quer ser. Jamais aceitaríamos a ideia de que um grupo nos mandasse ordens. Isso não existe, nunca existiu, diga-se de passagem, essa pretensão. Porque o exemplo do Comintern não passa pela cabeça de ninguém. Você tem o oposto. Uma coisa é a solidariedade entre os vários grupos…
Entrevistadores: Em algum momento houve tensão entre grupos internacionais e…
Eduardo Valladares: Não, porque as lutas elas se faziam em locais diferentes, não havia… Há um princípio que eu acho que a gente seguia. Não há interferência de ninguém sobre ninguém. Respeito a autonomia daquele outro grupo. Eu não tenho nenhum interesse em… nas reuniões que você tinha vários grupos, eu não tenho nenhum interesse, eu não participo do teu grupo. Eu não participei do grupo zapatistas nesse período. Porque eu vou dar o meu palpite, interferir nas decisões do grupo zapatista? Eles que se encarreguem. Os grupos feministas que se encarregam, os vários grupos feministas se encarregam, os vários grupos feministas… que na verdade eram plurais. Se encarregam. Então havia esse respeito a essa autonomia. Não vou interferir nas decisões que vocês tomaram. Mesmo as decisões dos black blocs, eu lembro de reuniões, algumas delas tensas… escuta, cara, eu respeito a tua autonomia, eu não vou criticá-los abertamente, embora questione a prática o black bloc pela infiltração policial, que me incomodava profundamente. Não me incomodava o fato deles depredarem bancos. Dane-se o banco.
Entrevistadores: Que era uma porta aberta pra polícia se infiltrar, né?
Eduardo Valladares: Era uma porta aberta pra polícia se infiltrar. Era isso, era isso que pegava. Mas é uma opção deles. Eles tomem as decisões deles, não participo desse grupo.
Entrevistadores: E nessa época tem uma questão tensa entre os black blocs e os ditos pacifistas, né? Que marcou muito Seattle, inclusive…
Eduardo Valladares: Sim, teve em Seattle, teve em tudo quando é canto… Então essa ideia de respeitar as autonomias, não fica com intervenção. Quando você pergunta dos zapatistas, óbvio que eu sei, acompanhei essa luta, havia pessoas que eu conhecia, mas nunca interferi, nunca apareci numa reunião deles, não era da época meu interesse imediato. Nem teria tempo pra isso, na verdade. Então esse é um componente central. Historicamente eu vou explicar com outro exemplo: O que nós não queremos ser? O que nós não seremos?
Entrevistadores: A terceira internacional…
Eduardo Valladares: É. Nós não seremos. Portanto a rede é fundamental. Isso tem a ver com Michael Foucault também, como você bem pode perceber. Quem também tinha uma influência do Foucault: Margareth Rago também trazia Foucault muito fortemente… O próprio Passeti na PUC, claro, o Passeti na PUC… trazem o Foucault… Mas isso não tem muito a ver com teoria, nessa época. A gente lia bastante, obviamente, até porque nessa época as pessoas já estavam tendo formação, já não eram mais estudantes de graduação, pelo menos esse grupo que eu estou me referindo, embora entrasse essa geração, você por exemplo, o Arthur, que é um cara que você devia conversar. O Arhur foi um secretário do ICAL. É um cara interessante. Ele passava… ele era o único funcionário que o ICAL, pago. O ICAL todas as demais atividades eram autogestionárias. Isso se baseou numa discussão que a gente tinha da CNT espanhola. Tinham um funcionário (risos)…infinitas vezes, milhares de vezes, vai embora, dezenas de milhares de vezes maior do que o ICAL em importância e relevância e quantidade de mentes. Mas era o único funcionário e ele trabalhava, tocava o dia a dia, organizava os espaços, fazia as coisas… e as decisões que ele tomava eram decisões dele também. Ele também era autônomo, não era um empregado e nós patrões. Ele participava das discussões como qualquer militante, lá dentro. Então eu acho que tem essa relevância… Influências difusas, mas obviamente você tem… essa geração que nasce com você, a Elisa, alguns moleques que eram moleques mesmo… havia um moleque que eu nunca entendi, o moleque era desse tamanhozinho, apareceu lá (risos), vai ver que ele era vizinho, ele olhou…moleques que hoje estão na universidade. O Rogê, esse povo todo, têm uma formação política nesse espaço. Teve, não digo só no ICAL, teve na AGP, passeata faz um bem quando elas são bem feitas e quando elas têm impacto, quando elas são inovadoras. Quando elas levam à contestação.
Entrevistadores: E depois que o ICAL fecha? As reuniões da AGP continuam ou elas terminam?
Eduardo Valladares: Puta, cara, eu saí de São Paulo, fui escrever a minha tese em Florianópolis… eu fiquei…
Entrevistadores: Ah, tá você se afasta, né?
Eduardo Valladares: Eu fiquei um ano fora de São Paulo. E depois elas desaparecem, imagino eu, porque não…
Entrevistadores: É, você não tem mais notícias…
Eduardo Valladares: Eu, pelo menos, não tenho mais notícias. Não tenho notícias porque eu estive fora de São Paulo e você que vai fazer o doutorado… Você vai fazer o doutorado também agora, ou não? Quer dizer, o doutorado na hora de escrever exatamente não é algo que você tenha muito tempo pra pensar. É um processo de emburrecimento que você só lê uma coisa, só lê a tua tese, você fica meio estúpido. Enfim, depois quando eu voltei já não tinha mais contato. Até porque eles tinham parado, no mundo inteiro. Eles tinham perdido fôlego no mundo inteiro e seu auge já havia passado. Eu acho que ela deixou lições, ela formou gerações.
Entrevistadores: É, isso que… a gente gostaria agora de fazer uma rodada de perguntas de balanço da experiência, assim. E aí, justamente… Na sua opinião, porque que a AGP acabou?
Eduardo Valladares: Ela acaba porque o contexto político mudou, virou. Tem um contexto extremamente conservador, de ataque aos movimentos sociais - e a AGP obviamente era um agrupamento de movimentos sociais… é nesse sentido que eu a defino. Não era um movimento, era um agrupamento de vários, distintos. Tinham alguns pontos em comum. Inegável que as leis antiterroristas norte americanas, estadunidenses, atrapalham, nós estamos num período de conservadorismo muito forte. Coincidentemente a diminuição do… nesse momento coincide com a influência do PT, né? Não é uma coincidência, obviamente. Coincidência não existe no contexto histórico. O PT começa a assumir, com as eleições do Lula, a primeira eleição do Lula, depois a segunda, um protagonismo que até então ele não tinha nos movimentos sociais. Eu como bom anarquista obviamente votei nulo nas últimas décadas. Confesso que eu votei pela primeira vez depois, desde 82, agora nas eleições.
Entrevistadores: É, que era uma questão de sobrevivência, né? (risos)
Eduardo Valladares: É, que era uma questão de sobrevivência e olha que eu votei com um grande pesar, que nos últimos… desde 82 não havia votado jamais em nenhum candidato, nenhum partido. Mas, enfim. Eu acho que tem um balanço sim, positivo, acho que o protagonismo da esquerda passa a ser o aparelhamento político do PT. Talvez essa seja a dura crítica que se faz a esses partidos que fizeram essa aliança com o PT. Todo o núcleo dos partidos políticos que se juntaram nas eleições do Lula, foi a cooptação dos movimentos sociais. Então você tem dois contextos: um contexto de leis antiterroristas, discurso de combate ao terrorismo feito nos Estados Unidos, e um contexto interno de cooptação gigantesco dos movimentos sociais. Isso inclui o MST, todos os agrupamentos políticos que até então mantinham uma relativa autonomia.
Entrevistadores: Desculpa te interromper, mas só porque você citou o MST: O MST é muito citado nos documentos da AGP. Existia alguma participação do MST nas reuniões da AGP?
Eduardo Valladares: Não. Existia uma enorme solidariedade ao MST, uma gigantesca solidariedade ao MST, porque o MST nos parecia, naquele momento, mesmo tendo em parte, uma parte educativa, vindo da igreja e olha que você tá falando com um anticlerical… um sentimento de autonomia. Havia uma ilusão de que ele era um grupo autônomo.
Entrevistadores: Você se lembra de gente da AGP nas reuniões da AGP?
Eduardo Valladares: Havia pessoas que faziam parte do MST e que participavam, mas eram muito mais pessoas urbanas, que eram ligadas ao MST de um jeito ou de outro, não necessariamente orgânicos, mas faziam parte do MST. Então havia esse contato com o MST. Que era um conjunto autônomo, aparentemente era um grupo autônomo que questionava uma luta justa, se organizava de maneira…
Entrevistadores: Mas o MST participava como movimento das ações da AGP?
Eduardo Valladares: Não. O MST participava com pessoas que eram do MST, que tinham alguma ligação com o MST e que iam nas reuniões. Em algumas reuniões que a gente fez, que não foram só da AGP, passeatas, que aí você tem a CUT, a gente fazia questão de separar, a gente saia na frente e deixava eles pra trás. E deixava um espaço gigantesco entre nós e eles pra deixar em claro que eles eram outra manifestação. A gente tá junto porque a luta é igual, mas vocês, ó, vocês estão com seus carros de som, vocês CUT, vocês MST… O MST estava nessa. Então a gente começou a se afastar nesse momento. O MST era muito novo nessa época. Ainda era… Quer dizer, novo não era, mas já começou a emergir naquele momento como movimento social aparentemente autônomo. Acho que os governos do ano 2000 com essa fábrica de cooptação dos movimentos sociais… isso é em todos os sindicatos… e os grupos como o MST, esse foi o grande mal que a esquerda tradicional fez aos movimentos sociais. Ele desmoralizou, ele acabou com os movimentos sociais. E a gente tem hoje um enfrentamento que não… que você tem necessidade de organizar o enfrentamento, a resistência. Porque estão desmobilizados, perderam sua autonomia. Eles viraram correia de transmissão de um governo, de um Estado. Não dá. Um movimento social não pode estar vinculado a Estados.
Entrevistadores: E o MST acabou embarcando nessa, né?
Eduardo Valladares: Sim, ele embarcou nessa…
Entrevistadores: Mas naquele momento isso ainda não estava dado ainda, o MST ainda ficava no meio do caminho entre esses dois…
Eduardo Valladares: É, não aparecia ainda… obviamente o MST se juntava já ao PT, nas passeatas, mas havia uma simpatia, até porque havia pessoas que eram, que iam às reuniões, que faziam parte do MST, iam pra acampamentos, participavam das ocupações, então havia essa simpatia. Mas o MST como grupamento nunca participou dessas reuniões diretamente. Pessoas vinculadas e ele, basicamente urbanos, ninguém era camponês, eram moleques universitários… O MST teve influência na universidade, no movimento estudantil.
Entrevistadores: Edu, e o que você acha que a AGP fez de melhor?
Eduardo Valladares: Ela foi uma grande escola política e por isso que ela merece ser lembrada. Ela… obviamente a AGP, ela tá num contexto histórico como um agrupamento de movimentos sociais, ela ensinou muita gente a pensar política de maneira não tradicional. E essa é uma contribuição gigantesca. Ela recupera lutas anteriores, ela recupera experiências anteriores, mas ela tem algo inovador no contexto do final dos anos… da década de 1990, início dos anos 2000. Então isso é o que ela trouxe de mais relevante. É possível pensar uma outra forma de fazer política. É possível pensar uma nova forma de questionamento das estruturas tradicionais que nascem depois da AGP. Você perguntou o que tem de herança. Todos os movimentos do 1% são, de certa maneira, herança da AGP. Todos eles. Que ganharam força… com acampamentos no Anhangabaú, em outros cantos…
Entrevistadores: O MPL…
Eduardo Valladares: O MPL de certa maneira nasce…é um herdeiro desse processo. O MPL tem características muito próximas da AGP, muito próximas.
Entrevistadores: Alguns entrevistados nossos falaram até dos secundaristas.
Eduardo Valladares: O movimento secundarista hoje, das ocupações? Entrevistadores: Das ocupações…
Eduardo Valladares: Sim. Se você pegar umas garotas… Eu lembro que no ano retrasado eu conversei com umas meninas… tinha uma palestra que me chamaram e tinha uma garota que era do movimento… que tinha sido secundarista e tinha entrado na PUC. E ela estava na mesa e participou de um depoimento. Você percebe que obviamente falta a ela formação política, menina, mas acabou de sair do movimento secundarista de uma escola de periferia e estava fazendo ciências sociais na PUC, tinha acabado de entrar. Então, de certa maneira, você tem herdeiros. Como a AGP foi herdeira de outras lutas. Então acho que isso faz parte da história de uma esquerda libertária, que se opõe à esquerda autoritária - essa divisão eu acho que ainda é uma discussão, uma divisão que eu acho plausível e necessária de se fazer… isso não começou hoje, começou no século XIX, se você quiser pegar os embates da I Internacional. Então esses grupos todos que nascem das lutas sociais, os 99 contra 1%, o MPL… O que foi o movimento passe livre? Foi um movimento essencialmente libertário, autonomista. Então eles são herdeiros. Eles não tenham talvez vinculação direta… A Elisa talvez tenha o contato entre a AGP e o Movimento pelo Passe Livre. Mas ele nasce no movimento autônomo. Ele nasce em Florianópolis. Onde havia um grupo anarquista muito forte na Federal de Santa Catarina. Não é à toa que alguns congressos, alguns encontros anarquistas foram feitos em Santa Catarina, na Federal de Santa Catarina. Então ele nasce em uma cidade que o meio de transporte… é uma cidade pequena, comparada com as grandes capitais brasileiras. Então você tem que pensar que há heranças. Essa geração nova dos movimentos de ocupação da molecadinha das escolas, é interessante que eles façam ação direta. E é um elemento que a gente não falou. Ação direta é uma característica essencial da AGP. Blá blá blá, pouco. Não interessa Blá blá blá. Chega de fazer discurso, faça ação direta. Essa molecada fez ação direta. Sentando nas principais avenidas da cidade de São Paulo. Quando das ocupações das escolas. Eles fizeram a lição.
Entrevistadores: Outro elemento também importante é que até você poderia dizer se você via isso na AGP também que é a prefiguração, né? Que a molecada ia organizar a cozinha da escola, ia organizar a limpeza, ia…
Eduardo Valladares: Isso aí porque era recusa que alguém mandasse. A recusa de querer que mande. Essa molecada nunca leu um texto anarquista, mas era livre. A ideia de liberdade percorre tudo isso aqui. Não mande em mim, camarada. Eu vou fazer… o importante é obvio que você tem… eles eram inexperientes em política. Todos nós o éramos quanto tinha a idade deles, diga-se de passagem. Eram adolescentes. Mas são ótimos. Eles ensinaram muita coisa sobre autonomia, esses garotos e garotas que se mobilizaram nas escolas, nas ocupações. Tinha um aluno da COGEAE que vocês podem entrevistá-lo se vocês quiserem. Ele fez o trabalho de conclusão de curso dele sobre as ocupações das escolas, o trabalho dele lá na PUC. Foi um aluno meu lá da COGEAE, te passo o contato depois. Era interessante conversar que ele é jornalista já, há algum tempo, é um belo trabalho.
Entrevistadores: Posso voltar um pouquinho na pergunta anterior? Você disse que a AGP foi uma escola de uma forma inovadora de fazer política. Quais são os elementos inovadores dessa forma, na sua opinião?
Eduardo Valladares: Olha, que eu já comentei, que nós já discutimos: A ideia de ação direta, a ideia de que obviamente ela se dá no âmbito local mas ela se faz no mundo, ela é global, o esforço é global. É bom lembrar porque o que significa AGP, né? Era uma ação global, portanto é uma característica que cada vez mais se faz, a ideia da horizontalidade, pra mim é fundamental, a ideia da autogestão, a ideia da rotatividade das comissões, a ideia da organização autônoma… a ideia do internacionalismo… São exemplos que não nascem com a AGP, a AGP não os criou, a AGP os reuniu num contexto específico de lutas contra a globalização econômica e o grande avanço do capitalismo neoliberal
Entrevistadores: E qual foi a contribuição da AGP pra difundir esses princípios no Brasil?
Eduardo Valladares: Olha, eu acho que qualquer um que participou das passeatas ou ouviu falar… e eu lembro que a passeata maior, talvez a do A20, tinha umas duas mil pessoas. Não foram só 2000 pessoas influenciadas por aquela manifestação. Aquilo se propaga em cascata, em rede. Um amigo que contou pra um amigo, o que aconteceu naquela passeata. E aquilo marcou profundamente. Eu encontrei pessoas anos depois, que falaram que participaram da manifestação e aí, como aquilo, aquelas manifestações as marcaram profundamente, as influenciaram politicamente de maneira brutal. Cada vez mais: a gente aprende não com discurso. E sim com ação direta. Aquilo era um exemplo de ação direta.
Entrevistadores: Você acha que dá pra falar de uma nova esquerda que se desenvolve a partir disso, ou não?
Eduardo Valladares: Eu acho que você tem uma… acho que antes uma renovação da esquerda, sim.
Entrevistadores: É, uma renovação não nova esquerda no sentido anos 60, né?
Eduardo Valladares: Não, não, senão a gente vai usar uma expressão norte-americana, não. Embora também ela seja herdeira dessa nova esquerda dos anos 60. Também tem essas…. acho que a gente discute… acho que se aprende o tempo inteiro com o passado. Não é à toa que… aqui é um papo de historiadores, mas não o anacronismo, que é talvez um grande pecado que um historiador não deve cometer, de reproduzir… o que vale pra Comuna não vale pra hoje. Mas as experiências da comuna talvez sejam fundamentais. E os erros também são fundamentais. Os erros que nós cometemos também são fundamentais. A AGP desaparece, no caso brasileiro, em função de uma realidade política interna nossa, as eleições do PT, as vitórias do Lula, no processo eleitoral, que inegavelmente toma o protagonismo de esquerda, pela política que o PT adotou, de cooptação, e claro, pelo cenário internacional.
Entrevistadores: Agora da parte da própria AGP, Edu, você falou em falhas e tal… quais são as fraquezas da AGP, dela própria?
Eduardo Valladares: É difícil falar quando… porque… a vivência individual não é possível fazer um cenário do que os outros, do que era aquele agrupamento tão grande de pessoas. Ele continuou existindo. Ocorreram manifestações depois. Na minha vida pessoal correspondeu a esse período que eu me ausentei de São Paulo, então eu perdi contato nesse período de 8, 9 meses que eu fiquei fora de São Paulo, que eu estava escrevendo a minha tese… Então é difícil o que aconteceu nesse período, então eu não tenho condição de afirmar exatamente o que o afastou. Eu lembro que quando voltei a AGP já não existia. Já não tinha mais, não tinha reuniões.
Entrevistadores: Mas eu digo assim mesmo no período mais ativo dela, o que que pra você deixava a desejar ou coisas que…
Eduardo Valladares: Cara, eu não acho que deixava a desejar. A gente fez manifestações que foram fundamentais. A gente enfrentou a polícia de uma maneira como ela jamais foi enfrentada. Ela continuou uma política de guerrilha, e eu gosto do termo guerrilha como guerra pequena, que é essencial, não só no âmbito… óbvio que não houve uma guerrilha armada, mas uma guerrilha no âmbito das intervenções culturais. Das intervenções práticas. Que ensinou muita gente a evitar um discurso autoritário. Ele foi um contraponto a um discurso autoritário. E isso é uma herança gigantesca. Eu não creio que o Movimento Passe Livre teria existido se não houvesse talvez existido a AGP. Não sei se existiria ou não, talvez existisse de outra maneira. A questão do transporte é uma questão relevante, mas você aprende aonde? Ele é muito próximo dessa luta da AGP. Esses garotos e garotas que criaram o Movimento Passe Livre sabiam da AGP, alguns foram talvez ligados à AGP, tinham um elo de ligação. Eu lembro de 2013, que eu acho que é um marco interessante, logo após uma passeata na Paulista, não sei se… acho que eu te encontrei nela… quando a direita começou a avançar pra Paulista. O pessoal dos Jardins veio com aqueles cartazes imbecis: “Quem recebe bolsa família não pode votar”… A peruada toda começou com essa… E eu lembro que a primeira vez na vida que um grupo de anarquistas, libertários do MPL e eu estava na época junto com a Elisa, e com o pessoal, a gente fez segurança pra evitar que eles apanhassem. Eles queriam bater na CUT. Eu nunca imaginei que eu ia defender a CUT de apanhar. Um bando de sindicalista apanhando, sendo espancados pela extrema direita… A extrema direita mostrou as suas caras lá. Eu acho que teve um processo que a direita aprendeu a fazer ação direta. Esse é o problema. A direita, a extrema direita brasileira… mundial, aprendeu a mexer com os meios de comunicação que a AGP ensinou dessa maneira. O uso das redes, das redes sociais…
Entrevistadores: Tem um autonomismo de direita (risos)
Eduardo Valladares: É, mas acho que ela aprendeu, ela foi inteligente nesse aspecto de se apropriar de uma tecnologia, de um processo tecnológico que até então a esquerda foi incapaz. Essa esquerda tradicional foi incapaz de perceber essa experiência. Pro nosso azar, essa esquerda tradicional era protagonista dessas lutas e não a esquerda inovadora que seriam herdeiros da AGP. Talvez fosse diferente. Porque o embate tecnológico era um elemento central da AGP. A AGP sabia usar a tecnologia ao seu favor. Ela não usava… Isso não significava que ela descartava os velhos lemas, cartazes com pincel atômico…mas ela usava tecnologia. Ela se atualizou tecnologicamente. Essa inovação tecnológica que coincide com a rapidez da internet, com redes de comunicação mais seguras e mais ágeis, é essencial. Eu costumo lembrar, na época você já tem a banda… já não era mais a rede discada, essa história meio que surgiu nessa época. Então você tem uma possibilidade de contato pelas redes.
Entrevistadores: Já tá mais popularizado, né?
Eduardo Valladares: É. Eu não vou fazer análise de 2013 porque não é o caso. Não me interessa nesse momento fazê-lo. Mas eu acho que a AGP marca um momento de inflexão gigantesco. Nessa história política do que foi os movimentos sociais brasileiros. Se quiser pegar uma herança dos movimentos sociais, a panela vazia, você sabe o que é isso, dos anos 60, 70? Também usaram a bandeira do autônomo… era organizado pela igreja, é verdade, mas havia a ideia dos grupos das comunidades eclesiásticas de base, que funcionavam com núcleos locais… São heranças que são discutidas. A gente tem que pensar… o que eu acho que falta hoje é… É necessário criar um movimento de resistência. E ele não será feito pelos partidos tradicionais de esquerda. Que eles estão, primeiro, derrotados - no sentido pior do temor. Derrotados porque eles não têm inovações. Foram incapazes de apresentar propostas inovadoras. O Movimento Passe Livre não consegue mobilizar porque a realidade hoje é outra. Nós vivemos um momento de ascensão da direita. A AGP nasce em um momento de ascensão da direita, né? Do discurso neoliberal. E se contrapõe violentamente a esse discurso. Eu posso querer ser otimista, mas eu gostaria que nascesse outro movimento de oposição ao capitalismo neoliberal e ao capitalismo de qualquer sentido nos próximos meses. Que façam a nossa oposição. Assustou a esquerda tradicional. Acho que valeria à pena vocês que lidam com isso entrevistar como que esses membros da esquerda tradicional viram a AGP, nessa época. Acho que valeria à pena ouvi-los. O que que eles acharam? A resposta eu já até sei em alguma parte qual vai ser porque eu discuti com alguns deles. Movimento de pequenos burgueses, pa ra rá pa ra rá. Aí quando falava dos punks, que era periferia: Ah, não, tudo contaminado, não vai dar em nada, falta organização. Que é o discurso tradicional da esquerda autoritária. Acho que valeria à pena entrevistá-los pra entender melhor como esses caras viram esses movimentos dessa época.
Entrevistadores: E imagino que inclusive eles se sentiram ameaçados…