South America Latin America

Bolivia - Carlos Crespo

Bolivia - Casimira Rodriguez

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Casimira Rodriguez: Pero bueno… cómo me he involucrado con las organizaciones. La propia situación de aquellos años, estamos hablando de unos 35 años atrás cuando empiezo a entrar a la lucha. Tal vez, mi situación era totalmente diferente, ¿no? Yo trabajaba en una casa y en aquellos años todavía le decían a la empleada doméstica “sirvienta” ¿no? Un día, encuentro yo a otras personas, digo yo, otras compañeras, una trabajadora del hogar que me invitó… De niña yo he aspirado a ser costurera, entonces, porque, en el campo nunca se sabe que profesión voy a tener, nada, no se piensa, no se hace, solamente los niños crecen y su mamá es madre de familia, y su papá es minero o agricultor. No sé en qué rato escuché que su hija era costurera y dije: “pucha, bonita profesión”, entonces, “quiero ser costurera”, y al final de niña soñé eso y me olvidé.

Bolivia - Leonilda Zurita

Bolivia - Rafael Puente Calvo

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Itxaso Arias: La entrevista es un poco como lo que te envié1, ¿recuerdas? Ver un poco el contexto de todo este movimiento antiglobalización, la historia de la AGP y comentar sus líneas que marcan más el sentido que se le da a la acción desde la AGP y luego ya centrándonos en Bolivia, en este momento histórico que consideran que tocaría hacer en relación a los movimientos sociales. Este sería el recorrido, ¿qué te parece?

Bolivia - Theo Roncken & Jorge Komadina

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Itxaso Arias: Claro, el contexto de la PGA es por los años 90. Se suele plantear como antecedente el Encuentro Zapatista del año 96 y en el 97 ya se crea formalmente en Ginebra, es en ese marco de la antiglobalización. Y claro, en esos años en Bolivia del 97 al 99 no pasa nada…

Brazil - Acácio Augusto Sebastião Júnior

Brazil - Elaine Campos

Brazil - Felipe Corrêa

Brazil - Guilherme Falleiros

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[Observação: Entrevista realizada por escrito]

Pergunta: Poderia nos contar um pouco da sua trajetória e como se tornou um militante?

Guilherme Falleiros: Salve! Por volta de uns 10 anos de idade (meados dos anos 80, calcula aí, ehehe) já nutria simpatia pelo anarquismo, principalmente por influência do punk, e também uma proximidade com a esquerda por influência de meus pais (bancários) e do clima sindicalista do ABC. Mas iria me tornar punk mesmo muito tardiamente (por volta dos 21 anos).

Brazil - José Eduardo Montechi Valladares de Oliveira

Brazil - Viriato (Nome Fictício)

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Pergunta: A gente gostaria de pedir para você nos contar um pouco da sua trajetória como militante político, aquilo que você se sinta confortável para nos contar, no sentido de a gente situar um pouco a sua experiência pessoal no contexto do que foi a sua participação na Ação Global dos Povos.

Zbrati - Colombia - El Proceso de Comunidades Negras

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Interviewer: bla-bla

Zbrati - Ecuador - Confederación Única Nacional de Afiliados al Seguro Social Campesino - Coordinadora Nacional Campesino

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Interviewer: bla-bla

Interviewee: la-la-la


Actualmente esperamos recibir o recopilar una entrevista de esta organización.

Este proyecto no representa la gama completa de movimientos y activistas involucrados en PGA. Como tantos proyectos activistas y de investigación, este está determinado por redes sociales limitadas y por los desequilibrios y prioridades de recursos dentro de nuestro sistema global.

Zbrati - Panama - Movimiento Juventud Kuna, MJK

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  • Region: Latin America
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  • Interviewer:
  • Date:
  • PGA Affiliation: Movimiento Juventud Kuna, MJK
  • Bio: Esta era una organización convocante.
  • Transcript: Zbrati: Ta spletna stran je škrbina za snemanje intervjuja. | To gather: This web page is a place-holder stub for an interview.

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Interviewer: bla-bla

Interviewee: la-la-la


Actualmente esperamos recibir o recopilar una entrevista de esta organización.

Este proyecto no representa la gama completa de movimientos y activistas involucrados en PGA. Como tantos proyectos activistas y de investigación, este está determinado por redes sociales limitadas y por los desequilibrios y prioridades de recursos dentro de nuestro sistema global.

Zbratiz - Latin America - Various Organisations


Actualmente, esperamos recibir o recopilar entrevistas de varias organizaciones latinoamericanas.

Este proyecto no representa la gama completa de movimientos y activistas involucrados en PGA. Como tantos proyectos activistas y de investigación, este está determinado por redes sociales limitadas y por los desequilibrios y prioridades de recursos dentro de nuestro sistema global.

Tenemos entrevistas de solo algunas de las siguientes organizaciones:

Latin America

Si puedes ayudar con contactos, entrevistas o te gustaría participar de alguna otra manera, contáctanos. Te invitamos a contar tus historias y a recopilar las que creas que deben contarse. A pesar de las muchas lagunas de este proyecto, lo presentamos con la intención de inspirar a otros e indicar una muestra de la diversidad de la participación.

Brazil - Viriato (Nome Fictício)

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Pergunta: A gente gostaria de pedir para você nos contar um pouco da sua trajetória como militante político, aquilo que você se sinta confortável para nos contar, no sentido de a gente situar um pouco a sua experiência pessoal no contexto do que foi a sua participação na Ação Global dos Povos.

Viriato: Ok. A minha militância começa, como é muito normal na juventude, com empolgação, com identificação em determinada referência a projeto. Hoje falece a Célia Zanetti, que foi do antigo PRO e que fez parte dessa referência. Não ela individualmente, mas como o momento em que o Partido dos Trabalhadores, através da gestão Maria Luíza Fontenele, consegue a primeira vitória eleitoral [para a prefeitura] de uma capital. Isso em 1984 . Então, aquilo empolgou. Eu estava nesse meio, nesse hall de pessoas que conheceram a luta política através desse momento. Evidentemente que a grande referência, na época, de construção nas chamadas bases era o Partido dos Trabalhadores, o PT, e eu, com cerca de 17, 18 anos de idade, me vinculei a esse processo. Não como filiado, mas como simpatizante empolgado, e comecei a ler e a conversar com as pessoas vendo a possibilidade de um mundo melhor. […] Nessa época eu estava na […] faculdade de Engenharia Elétrica, e me desvinculei completamente da vida universitária para fazer um trabalho no campo. Isso já em torno de 20, 21 anos de idade. Foi na minha cidade natal e lá, com mais algumas pessoas das Comunidades Eclesiais de Base , fundamos o Partido dos Trabalhadores, a seção da minha cidade natal. Era um processo – já no final dos anos 80 (87, 88) – em que a gente, dentro do PT, já questionava bastante a trajetória que o partido, já nessa época, tomava. E chegou ao ponto de um delegado nosso, num encontro regional do partido, dizer na Assembleia Legislativa (isso em 1988) que o Diretório Municipal da minha cidade natal não apoiaria o companheiro Lula com o programa que estava sendo apresentado na época, que já era um programa de conciliação com a burguesia . Evidentemente que as raposas do partido cessaram qualquer tentativa de discussão e disseram que isso era uma questão que o conselho de ética do partido resolveria. E resolveu: fomos expulsos. Nesse mesmo processo eu e alguns companheiros, alguns inclusive da Teologia da Libertação, entramos em contato com os Coletivos Gregório Bezerra, que são derivados do processo do prestismo , e a gente se vincula. O nosso núcleo, digamos assim, foi o gérmen do trabalho do que seria depois o Partido da Libertação Proletária no campo . Nós criamos a fração do trabalho no campo do partido. Foi nesse processo que a gente atuou em toda a região do sertão central e da zona norte aqui do Estado do Ceará. O partido tinha uma ideia de clandestinidade e quando a gente colocava essa questão para os trabalhadores rurais ficava muito difícil o contato com eles. Então, a gente rompeu na prática essa ideia de clandestinidade e nos mostrávamos abertamente como CGB [Coletivo Gregório Bezerra], Partido da Libertação Proletária, e foi dessa forma que a gente conseguiu vários recrutamentos de camponeses, trabalhadores rurais, para o partido. Só que o próprio Partido da Libertação Proletária, como é muito comum no campo da esquerda, não estava imune às suas divergências internas. Em 1989, com o partido já fundado, com anticandidatura lançada no primeiro turno, com a passagem do Lula para o segundo turno houve uma discussão interna se apoiaria ou não o Lula. Eu fiquei junto à maioria, que [achava que] deveria apoiar à época. Então, assim, eu, já com um grupo de companheiros… deu um corte. Minha família é pequeno-burguesa, mas eu estava vinculado a um grupo que se dizia o grupo mais basista do partido, com algumas práticas inclusive franciscanas – pejorativamente ditas por alguns. Mas foi nesse processo que houve um aprendizado e um enriquecimento político muito grande. Inclusive aprendemos com os nossos erros. Então já na segunda discussão fundamental do partido, o partido rompeu e deixou de existir, praticamente. O PLP [Partido da Libertação Proletária] em 1990 deixa de existir. Ele não consegue, digamos assim, romper toda a pressão social [com a qual] o projeto da Frente Brasil Popular se colocava, como se coloca hoje, com a ideia do Lula como um salvador. A pressão social é muito forte, inclusive de muitos camaradas, companheiros revolucionários. Mas a gente cria uma Unidade Operário-Camponesa, que é uma pequena fração do partido. Com a extinção do partido, nos conformamos como Liga dos Trabalhadores e a gente começa a trabalhar com a linha independente. Havia uma discussão muito forte – isso já desde final dos anos 80 – sobre a pertinência do bolchevismo, do leninismo, e a gente, no afã de aprender e de buscar respostas, começou a buscar outros campos de leitura, de compreensão. Aí vem Rosa Luxemburgo, Mariátegui, Gramsci e outras contribuições mais. Apesar de um ou outro ainda reivindicar a tradição leninista, a gente, dentro já da Liga dos Trabalhadores, desenvolve uma perspectiva mais conselhista, de colocar como fundamental a questão das assembleias, da democracia direta, essas buscas, né? A nossa crítica ao trotskismo, da ideia deles de crise de direção, a gente nunca aceitou. E a gente meio que se marginalizou dentro desse espectro, porque mesmo o trotskismo sempre ficou dentro dos aparelhos, das centrais sindicais, da Central dos Movimentos Populares , tentando, digamos assim, conquistar seus espaços nas estruturas. É interessante que foi nesse trabalho [no campo], ainda como PLP […], que a gente tomou conhecimento prático do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, do MST. Coincidiu de a primeira ocupação de massas [do MST] na região Nordeste, que foi da fazenda Reunidas São Joaquim, na região sertão central [do Ceará], ser exatamente a nossa área de atuação. Então, nosso contato com o Movimento Sem Terra, na época através do José Rainha, da Fátima, que era companheira dele à época, a gente estabeleceu relações. E não foram relações amistosas. Na verdade, a nossa visão já se colocava muito em confronto com a do MST. Uns gatos pingados muito abusados, mas que não se deixavam intimidar pela máquina, pela estrutura que o MST colocava como donos da luta no campo. E a gente manteve a nossa postura independente. Sempre questionamos a ideia do ocupar, resistir e produzir do MST , principalmente o ocupar e resistir. Porque o ocupar a gente via que não havia um trabalho de efetiva educação política, de formação e educação política para a autodeterminação das chamadas massas que iam para a ocupação. Elas eram educadas para a ação, mas toda condução era feita pela direção e os germes do burocratismo já se colocavam, porque dentro dos acampamentos do MST sempre havia a barraca dos especialistas da revolução, de dirigentes, e a massa, e a gente absolutamente não concordava com isso. E o resistir do MST, que é um resistir baseado basicamente na luta para garantir a terra em si, o espaço, e a gente achava que a resistência é um momento para ampliar a luta, inclusive da unidade operário- camponesa, que a gente defendia na época. E criamos a Frente de Libertação da Terra aqui no Estado do Ceará. Soubemos, através desse nosso embate com o MST, que muitas outras pequenas frações Brasil afora procuravam ser independentes em relação ao MST também. Era o caso do Movimento de Libertação dos Sem Terra, que começava a se formar, do pessoal de Corumbiara, e outros grupos. Mas sempre a grande maioria era sufocada pela máquina que o MST colocava na luta pela terra, de se colocar como hegemonia, como supremacia absoluta. No encontro – creio que o Segundo Encontro Nacional do MST, em Brasília, em 91 –, a demarcação ficou muito clara. A nossa intenção nunca foi de lutar por espaços internos onde a gente se colocou. Sempre foi de colocar muito abertamente a nossa política e à medida que a gente ia fazendo isso, a gente ia se relacionando com a burocratização do movimento, com as limitações da luta política, e mais e mais a gente criava uma repulsa. Mas não era uma repulsa negativa de se contrair, mas positiva, no sentido de fazer caminho novo, independente, agir de uma certa forma, sem recurso, com toda a dificuldade. E a depuração que a gente trabalhava era quase que natural. Não no sentido teórico, doutrinário, mas no sentido mesmo de a gente estar no dia a dia. Sempre foi a nossa tônica de fazer esse trabalho. Então a nossa trajetória política veio nesse início já com essa disposição de fazer algo que escapasse, não se deixasse capturar pelas estruturas, pelo espetáculo que a esquerda, digamos assim, reproduz nas suas relações cotidianas, nas suas relações sociais. Então, eu me coloco aqui individualmente, mas digo assim: os nossos esforços, dos quais eu fiz parte, se colocaram nessa tônica. […] E com esse espírito foi que a gente entrou em contato, já em 94, em 95, com as comunidades zapatistas, com a luta, como um clarão que se colocou no México para todo mundo e esse clarão chegou até a gente e, por extensão, a Ação Global dos Povos.

Pergunta: Nesse momento que você está descrevendo, da UOC [Unidade Operário-Camponesa], da FLT [Frente de Libertação da Terra], vocês já trabalhavam com uma ideia de autonomia, como isso vai aparecer mais para frente, ou isso é uma coisa que aparece só depois?

Viriato: A ideia de autonomia nasce de um modo muito prático para a gente. […] Eu falei que em 1984 havia toda uma empolgação, né? Como a maioria dos jovens quando veem as referências de esquerda entram no verdadeiro espírito de empolgação, de se dedicar, de forma mais ou menos crítica ou acrítica, e não se tem nenhuma ideia de autonomia. Quando a gente, como jovem – eu estou falando da minha experiência –, entra nesse movimento, você espera o máximo de honestidade, de lisura, possível. Aí, quando você realmente se joga em um projeto e se você tem uma ética, você tem dois caminhos quando você começa a observar as coisas: ou você joga a sua ética para a lata do lixo e entra no processo de captura, é capturado; ou então rompe com isso. E o rompimento é sempre traumático, ele traz suas dores. E não foi fácil. Então, assim: a ideia de autonomia foi fruto, digamos assim, da nossa decepção com o que a gente via […] de posições minoritárias serem absolutamente massacradas de uma forma totalmente desonesta, autoritária. E que a gente viu um pouco esse espectro de se fazer ou de fazer impor a sua verdade, de que os fins justificam os meios, se colocou assim de uma certa forma muito forte para a gente. Foi muito revoltante. Ao ponto de, por exemplo, no congresso nacional da CUT de 88, toda uma banda do Mineirinho, a banda relativamente minoritária da oposição, simplesmente – com a expressão chula da palavra –, ficou cagada, porque a comida foi envenenada. Na hora da votação, das votações principais, estava todo mundo da oposição indo para o banheiro. Mas o lado da Articulação, não. Todo mundo perfeito de saúde para poder [votar]. Então, assim, tinha esse tipo de coisa que o que a gente vê hoje que acontece […] já estava colocado nas práticas cotidianas da esquerda. Então, assim: os que questionaram isso, romperam, e não tiveram ilusões em tentar disputar por dentro, por estrutura, realmente foram massacrados. Muita gente abandonou a luta política porque não ia colocar a sua honestidade, a sua ética, em perigo. “Não! Se a luta política e se a esquerda é isso aqui, eu vou cuidar da minha vida”, como muitos fizeram, inclusive desse nosso hall. Não estou dizendo que não cometíamos erros. Cometíamos muitos e há muitos equívocos. Equívoco, por exemplo, de eu não ser trabalhador rural e fazer um trabalho, eu cheguei até a morar, com os camponeses, mas não era camponês, não trabalhava na terra. Trabalhava de outras formas para sobreviver. Até nisso a gente procurava se autossustentar, não tinha dependência de partido, de aparelho de partido. Mas eu fui como um delegado trabalhador rural que não era. Esse foi um equívoco. Então nós também erramos bastante, mas em comparação com o quadro estrutural das estruturas dos grandes aparelhos, é mínimo. Então, quando as comunidades zapatistas fizeram o seu levante e a Ação Global dos Povos se colocou, e outros grupos, a gente começou a tomar conhecimento, um efeito dominó em que as pessoas descontentes e honestas estavam se articulando, aí a gente deu um grande impulso ao nosso espírito de criar algo melhor e diferente.

Pergunta: Quando e como surge a ideia de fundação do Comitê de Solidariedade ao Zapatismo aqui no Ceará?

Viriato: Ele surge em idos de 1998, no início, quando dois membros da Frente Zapatista de Libertação Nacional entram em contato conosco.

Pergunta: Conosco quem, Viriato? Era o Contra Corrente nessa altura?

Viriato: Não, não era o Contra Corrente. Era um grupo de pessoas da Liga dos Trabalhadores. A ideia, inclusive, das comunidades zapatistas nós que levamos para o Contra Corrente. Então […], através dos companheiros do Rio de Janeiro, do Centro de Cultura Proletária , que nos indicou – o meu nome e de um outro companheiro –, eles [membros da Frente Zapatista de Libertação Nacional] entraram em contato conosco, e nos reunimos, pouquíssimas pessoas, para os ouvir. Já havia toda a expectativa de que aquilo realmente parecia ser algo novo e a gente, reunindo poucas pessoas, começou a multiplicar a ideia. E foi nesse processo de multiplicação de ideias em que a gente soube trabalhar de uma forma horizontal e assembleária todas as nossas diferenças, porque quando a gente começou a divulgar a ideia de se criar um comitê de solidariedade, a gente divulgou publicamente, mas poucos realmente, digamos assim, escutaram e ascenderam ao chamado. Mas eram diferenças em que a questão ética, de realmente [ter] vontade sincera de fazer algo novo, estava presente. Nas nossas convocatórias não apareceram os aparelhos sindicais, os aparelhos partidários, não apareceu o Movimento dos Sem Terra e tal. Foram grupos, digamos assim, marginalizados, que atenderam o nosso chamado: os anarcopunks; o grupo Rebento Novo, da comunidade Terra Prometida ; o movimento de luta dos conjuntos habitacionais; pessoas independentes que, dentro do seu sindicato, já tinham um certo descontentamento e viam ali uma possibilidade; pessoas em bairros, grupos de bairro, eu lembro da União de Defesa Popular do Conjunto Nova Metrópole , e outros mais. E se a gente tinha lampejos da ideia de autonomia, a gente vendo que tudo tinha que ser resolvido por consenso, de trabalhar as diferenças, de reconhecer as alteridades, a ideia de autonomia se fortaleceu e começou a criar um corpo de organicidade dentro desse processo de construção do Comitê. E se reforçou ainda mais, posteriormente, quando nós aqui do Comitê, junto com o Contra Corrente, principalmente, a gente encampa as lutas da Ação Global dos Povos. Então tudo isso foi se fortalecendo.

Pergunta: Nessa ocasião, Viriato, os comitês tinham grupos de estudo e discussão? E o que vocês liam, escreviam?

Viriato: O nosso trabalho era o seguinte: quando os membros da Frente Zapatista chegaram conosco, aqui, eles nos apresentaram muitos materiais e fizemos o esforço de reproduzir, de traduzir. Havia já a Agência de Notícias Anarquistas, que ajudava nisso bastante; o Centro de Mídia Independente, [com o qual] a gente começou a se vincular. E a nossa ideia não era criar unicamente um comitê. Não [era] estudar o zapatismo para ser um grupo de comitê que vai apoiar [os zapatistas] como se fosse uma coisa distante do nosso cotidiano. Então, a gente estudava, digamos assim, os princípios zapatistas, claro, com a nossa leitura, mas aplicando, tentando ver em que essas realidades, esses princípios, se aplicavam a cada realidade que a gente trabalhava: dentro da favela, na comunidade Terra Prometida, lá junto ao meio rural, nos assentamentos e tal. Onde a gente chegava, isso assim era uma coisa que era como se estivesse na pele da gente.

Pergunta: Em 97, é criado o Fórum Alternativo dos Movimentos Sociais aqui em Fortaleza. A Liga dos Trabalhadores participa desse processo ou não? Como é a sua participação? Você participa diretamente desse processo?

Viriato: Sim. Foi a primeira iniciativa em que você via… Os anarquistas ainda não estavam presentes. Os anarquistas aqui do Ceará, os anarcopunks, principalmente, só se vinculam a esse processo já na formação do Comitê de Solidariedade às Comunidades Zapatistas. O Fórum Alternativo dos Movimentos Sociais ainda estava muito eivado das nossas linhas políticas. Eram linhas ainda um tanto quanto livrescas, de leituras mais heterodoxas do marxismo, do conselhismo, da autonomia operária, que começava a se colocar; a leitura do Contra Corrente, muito forte. Nessa época, era uma coisa nova ainda para mim e para muitos outros. O Contra Corrente veio se somar. E a Liga dos Trabalhadores [participa] sim. Acho que houve dois ou três encontros. Chegamos a apresentar, através de um seminário discutido nesse fórum, uma linha sindical para um congresso de sindicato aqui, o sindicato dos servidores públicos, ao qual nós éramos filiados, uns poucos. Apresentamos uma tese, mas não foi uma tese discutida unicamente com a categoria. Essa tese foi discutida junto com pessoas do campo, pessoas de comunidades urbanas. […] A gente tentava colocar […] a ideia da unidade dos trabalhadores da cidade e do campo, que as nossas lutas e as nossas discussões [pudessem] ser debatidas livremente. Então já foi uma coisa diferente. Evidentemente fomos massacrados no congresso e praticamente não tivemos nenhum voto, a não ser dos nossos próprios delegados. Não elegemos ninguém, nem nos interessava. Mas, se a gente ainda tinha uma pequena ilusão com a luta sindical, aí foi o que ajudou a morrer.

Pergunta: Esse foi o momento em que vocês meio que rompem com a luta sindical? Viriato: Rompo. Eu me desfilio, outros companheiros se desfiliam dos sindicatos e vamos partir para outro campo.

Pergunta: E a discussão da criação do Comitê de Solidariedade ao Zapatismo se dá um pouco na esteira desse processo, depois que vocês rompem? Existe uma relação ou não? Viriato: Existe uma relação, digamos assim, indireta, nas entrelinhas, porque foi quase que natural. Nós éramos, digamos assim, os patinhos feios do movimento aqui e a gente aqui, muito isolados, de certa forma, um certo autoisolamento - autoisolamento do espectro da esquerda, porque a gente tinha o nosso trabalho social. Mas a ligação com as comunidades zapatistas, com o que aquilo representou […], não é que a gente aceitou […] o que as comunidades zapatistas, através do seu cotidiano, estavam fazendo; é que […] nós nos identificamos com o que eles faziam. Então, assim: do Fórum Alternativo dos Movimentos Sociais às comunidades zapatistas, ao Comitê de Solidariedade, foi um passo super natural. Ao ponto que a gente tinha uma ideia tão forte de que os rótulos, os aparelhos, os grupos, os esquemas não têm nenhuma importância, que na medida em que a gente via que esse processo podia se fortalecer, ele era mais promissor, a gente abandonava os nossos esquemas anteriores. A Liga dos Trabalhadores deixou de existir. Ela se dissolveu para poder se somar com outras pessoas mais. Como aconteceu com o Comitê de Solidariedade às Comunidades Zapatistas, logo após o Encontro Americano.

Pergunta: O próprio Comitê se dissolve depois [do encontro]?

Viriato: Se dissolve porque ele vê a perspectiva de se somar com outras pessoas, com outros grupos. Vem a história da Rede de Resistir do Norte- Nordeste . É quando a gente se coloca mais abertamente. É desapego, em outras palavras. Não se apegar às nossas estruturas, às nossas ideias, como se elas tivessem o peso que a gente, só na ideologia, acha que tem; que a ideologia geralmente se afasta muito da realidade concreta.

Pergunta: Queria voltar só um pouco para fazer uma pergunta para saber como foi a participação do Comitê do Ceará na organização e durante mesmo o Segundo Encontro Americano pela Humanidade e contra o Neoliberalismo.

Viriato: Nós fazíamos campanhas financeiras a nível local. A gente se organizava assim: nos nossos meios, em que a gente já fazia parte, ou no campo ou na cidade, se tinha alguma pessoa do comitê que estava no sindicato, ia lá e divulgava. A gente fazia todo um trabalho endógeno muito forte e campanhas financeiras que a gente fazia para que a gente pudesse levar delegados para participar dos encontros nacionais dos diversos comitês e pró-comitês que se formavam . Eu, particularmente, não fui a nenhum, mas outras pessoas, outros companheiros e companheiras, foram a Brasília, São Paulo. O Comitê de São Paulo foi o primeiro comitê. Nós organizamos um seminário preparatório aqui, que veio um pessoal de São Paulo, do Rio de Janeiro. Aqui, o Comitê do Ceará foi, digamos assim, a ponta de lança da região Norte e Nordeste. A gente fez viagens [para] Rio Grande do Norte, Paraíba, Piauí, Maranhão, Pernambuco e Sergipe. Nós […] incentivamos a formação de comitês nesses locais, […] com toda diversidade. Fizemos até viagem de carro com os nossos próprios recursos. Então, a nossa participação foi muito importante. […] Alguns comitês – acho que o de Brasília e algum outro mais – focavam muito na ideia de chamar o MST, de chamar a CUT, a Central de Movimentos Populares. Alguns consideraram uma grande vitória [ter o apoio da] Força Socialista, na época, uma tendência interna do PT, que tinha a prefeitura de Belém . Foi relativamente importante, mas não com o peso que a gente acha que deveria se dar a esses momentos. Mas a gente teve participação muito direta nesse processo. A gente participava das resoluções em comum do processo organizativo, mas a gente estava muito mais preocupado em expandir, no nosso dia a dia, a ideia do encontro. Nós fomos com um ônibus daqui. Fizemos a inscrição de várias pessoas e algumas outras pessoas foram por conta própria. Aí foi um processo muito enriquecedor, muito rico, o próprio processo de construir a nossa participação no encontro.

Pergunta: Como foi a experiência de participar do encontro em si?

Viriato: Foi uma experiência muito enriquecedora. Ela, de uma certa forma, já foi a demonstração do que a gente temia: que [a tentativa de] aparelhamento [do encontro] por um órgão de Estado […], [por] uma prefeitura, isso não sairia muito bem; que a tentativa de manipulação, como é o histórico da esquerda, ocorreria, como de fato ocorreu. E evidentemente a gente - não que a gente apostasse -, mas a gente já estava psicologicamente preparado para esse momento de ruptura. Tanto que a gente viu a conformação de dois encontros dentro de um só. Uma plenária que, ao nosso ver, foi o protótipo do que seria o Fórum Social Mundial – isso em dezembro de 1999. Ficou, [de um lado] do encontro, as entidades representativas, com todas as suas estruturas, com a sua visão de governabilidade, de buscar políticas públicas, que se desenvolveria como Fórum Social Mundial; e, [de outro], uma assembleia de mais de mil anticapitalistas que se revoltaram, que se rebelaram contra o que se tentava fazer, de tentar direcionar o processo. Lembrando que já […] são quase 20 anos de construção do projeto da Frente Brasil Popular, e o Encontro Americano, evidentemente, para as forças da Frente Brasil Popular, do projeto democrático-popular, é um momento importante, porque era uma forma de dar visibilidade ao que a prefeitura fazia como prenúncio do que seria um governo geral […], um governo Lula. Foi um encontro [ao qual] setores desse projeto democrático-popular deram apoio, força, para que pudesse ser um momento de somar forças para a estratégia maior, que era criar um governo de conciliação, um governo de salvação nacional, de conciliação de classes, e que se iniciou com a “Carta ao Povo Brasileiro”, do Luís Inácio Lula da Silva . Então, houve um rompimento. As pessoas que já estavam tão cansadas de apanhar [risos] dessa esquerda autoritária, burocrática e supremacista, que pulou. Se eles querem jogar sombras na luz que a gente está trazendo, que é a luta dos zapatistas, nós não aceitamos isso de maneira alguma. Vamos romper com isso aqui agora. E rompemos mesmo. E foi a partir dali que se vislumbrou, dessa assembleia de mais de mil companheiros anticapitalistas, com uma visão de autonomia - diversas autonomias, como tem que ser -, mas que já estavam mostrando ali uma disposição de dialogar entre si, de criar vínculos, das mais diversas paragens aqui do país, do Brasil. Gente lá do Oiapoque ao Chuí querendo fazer uma coisa diferente. Então, foi muito enriquecedor nesse aspecto.

Pergunta: Que diversas autonomias? Você poderia pontuar?

Viriato: Você pode ver o pessoal da comunidade de Piracema , os anarcopunks, o Centro de Cultura Proletária, anarquistas (muitos anarquistas), marxistas heterodoxos; as CEBs [Comunidades Eclesiais de Base] já em crise com o projeto Lúmen 2000 , do Vaticano, em que a Teologia da Libertação estava sendo combatida frontalmente pelo papado do João Paulo II na época. […] As pessoas estavam querendo coisas diferentes, alguns cristãos também. Então eram diversas buscas de algo melhor, com todas as contradições e tal. E eu tenho certeza de que, se o Fórum Social Mundial não tivesse se imposto, essas autonomias teriam se desenvolvido de outra forma. E o Fórum Social Mundial foi fundamental para capturar [esses autonomias], porque boa parte dessa assembleia de mil anticapitalistas, mil ou mais, a maioria foi, entrou, digamos assim, na cantiga de sereia do Fórum Social Mundial, que nada mais se mostrou do que ser um meio de preparação do consenso internacional do que seria o grande momento da social- democracia no mundo, que seria um governo de um operário aqui no Brasil.

Pergunta: Você acha, então, que o Fórum Social Mundial representou, de fato, uma barreira ao avanço dos movimentos autônomos aqui no Brasil?

Viriato: Sim. Sem dúvida. Tanto que qualquer possibilidade de autonomia, de você fazer um trabalho de educação para as pessoas, para os proletarizados, se autodeterminarem, quererem um mundo diferente a partir do seu cotidiano, se colocou [de lado], porque o que importava agora era desenvolver a cultura da passividade. É você fazer políticas públicas para as pessoas e aí reforçar a ideia de representatividade; de que a gente vai ter sempre que se acoplar aos líderes; que a gente vai ter que criar lideranças populares e que essas lideranças são a pedra de toque da luta política: criar lideranças, criar representatividade, ocupar o parlamento e tal, esquecendo toda a perspectiva de luta internacional, internacionalista, de buscar rachaduras, passo a passo, do sistema capitalista, e se aproveitar dessas rachaduras para do velho criar o novo; no velho, criar o novo. E a gente viu isso tudo esmorecer com o Fórum Social Mundial, com a cultura da esquerda e tal. Quando eu olho o que ocorre hoje, com essa briga entre mortadelas e coxinhas , é simplesmente o resultado natural do que ocorreu, porque se criou um hiato, um hiato social e político muito grande na sociedade. A ideia de luta política, de ética na política, que o PT sempre desenvolveu, foi uma ética política dentro das instituições burguesas, que são naturalmente carcomidas, porque é uma sociedade que se baseia no lucro, é uma sociedade que se baseia na usurpação do cotidiano das pessoas, de separá-las e classificá-las, de destruir a [sua] psiquê. A esquerda jamais se preocupou – e que eu acho que a luta anticapitalista se preocupava –, com a questão da afetividade. Hoje, o maior problema é a depressão. A depressão está matando cada vez mais pessoas. É a esquerda do ego. Estou sendo até um pouco meio budista aqui, mas é a esquerda do ego, que os egos se inflamam. Então, nesse ato social, o ego, o egoísmo, o orgulho, ele vai se manifestar o tempo inteiro e o que é a aparente vitória, você suplantar o outro, o mortadela suplantar o coxinha, ou vice-versa, isso é nada mais do que a vitória do sistema. Isso é o jogo do espetáculo. Então, assim, a esquerda, com a sua cultura política, que vem desde a luta pela anistia, pela redemocratização - isso é uma leitura minha, viu? –, ela estava fadada a ocorrer isso aqui, a ser mesmo uma antessala do fascismo. Me perdoem até se eu estou sendo até injusto e duro, mas todos esses projetos – a Lei Antiterrorista, que o governo Dilma sancionou; os rascunhos que ela já fazia da reforma da previdência, do governo dela; da reforma trabalhista, que foram rascunhados ali, né? Se, pelo interesse da economia política, eles não tivessem que ser alijados , porque [os capitalistas] precisavam, para maximização dos lucros e retomar os lucros com a incrementação da mais-valia absoluta, né? Porque essa esquerda é uma esquerda do ego, é a esquerda da mais-valia relativa. Ela quer que as pessoas continuem se proletarizando. Não há um questionamento sobre o trabalho assalariado, o capital. Não se muda o cotidiano, o dia a dia das pessoas. Não se busca essa luta da autodeterminação, das pessoas serem felizes. A gente está sempre na dependência de representantes, de líderes, essa nojeira toda aí. Então, assim, isso tudo é para dizer que tivemos um operário [no poder] já, sim, no movimento operário internacional, na luta internacional, que foi Ebert, na Alemanha. Mas foi ele que massacrou a Revolução Espartaquista. E eu acho que esse projeto democrático-popular não fez isso [no Brasil] porque o momento histórico não permitiu. Porque eles fariam.

Pergunta: Você acha que sim?

Viriato: Tenho certeza que fariam. Tenho plena certeza. Porque para as necessidades da economia política, [o projeto democrático-popular] é um projeto que não interessa, para os grandes oligopólios internacionais. Para o capital internacional, eles precisam de um governo mais forte, no sentido mais liberal, e eles não correspondiam mais. Então, foram alijados. Mas se houvesse a necessidade de um pacto social, se não estivesse dificultando a maximização da taxa de lucros aqui no Brasil, eles seriam usados claramente para reprimir o movimento, como sempre fizeram. Ora, se nos cotidianos, se nos congressos, se as pessoas que pensavam diferente, dentro desse espectro da esquerda, eram massacradas, eram marginalizadas. As pessoas foram vítimas de verdades absolutas ali colocadas. Eu não digo que seria certeza, eu acho [que era] muito provável isso acontecer, pelo movimento da História, pelo que ela nos apresentou. Então, isso é para dizer também que sim, o Fórum Social realmente capturou qualquer iniciativa, que era uma criancinha que estava ali nascendo, estava engatinhando, tinha uma coisa nova, tinha novas relações que buscavam se colocar e foram destituídas do seu lugar na História.

Pergunta: Eu queria aproveitar que você falou sobre o Fórum Social Mundial, e até falando do governo do PT, você falou da relação desta esquerda oficial com um contexto global mais amplo. Queria te fazer uma pergunta do outro lado. Você falou deste processo que estava começando aqui no Brasil, de desenvolvimento de movimentos autônomos. Como isso se relaciona com um movimento internacional mais amplo que estava acontecendo naquela época? E aí eu aproveito para fazer uma pergunta bastante concreta: como você entra em contato com a AGP pela primeira vez?

Viriato: Eu entro em contato com a AGP através do Contra Corrente. O Contra Corrente, na sua linha política, já casava com algumas ideias que o manifesto da AGP, mesmo contraditório, apresentava. Então foi um momento importante. E o que aconteceu em Seattle, as ações que ocorriam na AGP, que se formava, a gente inseria nas nossas discussões. Ao tempo em que se discutia o Encontro Americano, se discutia a Ação Global dos Povos, tanto que imediatamente [depois] do encontro de 99, a consequência mais prática que a gente tirou do fazer foi iniciar as lutas de Ação Global aqui. Fizemos um 1º de Maio alternativo aqui, em contraposição [aos aparelhos]. Enquanto os aparelhos faziam as suas festas, a gente estava num bairro, fazendo panfletiamento numa praça, uma coisa bem… se mostrando ali, para as pessoas. Porque é um pouco contraditório: “Vocês estão se mostrando como uma nova referência para as pessoas. Existe a grande referência, mas vocês estão aqui como a nova referência, mesmo minúscula?”. E é interessante porque a gente captava esse tipo de crítica e a gente realmente tinha essa preocupação de a gente não ser apenas uma nova referência. Mas a gente, naquele momento, achou que era importante e se colocou. E fizemos o S26 […]. O movimento 500 Anos , que a gente aqui promoveu, foi a terceira queima do relógio da Globo aqui. A gente fez um questionamento assim, nesse sentido. A repressão foi muito forte. O que acontece é que, ao tempo em que a esquerda se colocava distante, se afastava, de certa forma, da gente, a repressão do Estado começou a pegar muito pesado com a gente. Quando a gente fez aqui o anti-BID , em 2002, isso já depois do ano 2001, aí foi a gota d’água, porque a tropa de choque [nos perseguia] por onde a gente andasse, nas ruas do centro aqui, no campus universitário, ali da avenida da universidade, a tropa de choque [ia] nos perseguindo mesmo, fazendo um cerco pesado contra a gente.

Pergunta: O anti-BID foi a última ação realizada aqui no Ceará em resposta a uma convocatória global ou teve alguma depois?

Viriato: Foi a última ação e também foi um momento de ruptura, infelizmente. Porque um texto muito importante do Andrew X chamado “Contra o ativismo” impactou bastante. Alguns companheiros da cena libertária, principalmente, da cena do faça você mesmo, do it yourself, eles começaram a questionar os próprios eventos globais da forma que se colocavam e começaram a desenvolver a ideia de que os grupos de afinidade são muito mais importantes do que qualquer ação, digamos assim, superestrutural que o movimento, mesmo internacionalmente, coloque. Há uma certa justeza realmente nessa posição desses companheiros que, inclusive, são os que estão na ativa hoje. Esses companheiros que fazem as críticas mais duras, digamos assim, à perspectiva em que a AGP estava se colocando, com ativismo, com uma certa especialização na luta política, eles são companheiros que estão em atividade. Assim, eles estão no seu trabalho cotidiano e tal. Eles estão pouco se importando com o que está acontecendo, digamos assim. Processo do Lula , se é Bolsonaro , o pessoal [não] está se importando. Estão lá no seu grassroots, nas suas organizações de base, fazendo seus grupos de afinidade, numa perspectiva que eu acho interessante, embora eu ache que tem que discutir mais. Eu acho que não é o momento para se colocar essas questões aqui, porque eu não posso falar por eles, mas ali se colocou realmente um divisor de águas.

Pergunta: Você acha que o declínio do modelo dos dias de Ação Global tem a ver com essa crítica ao ativismo especializado?

Viriato: Tem a ver sim. E é interessante porque, no decorrer do tempo, o próprio Fórum Social Mundial captura, a meu ver, o espírito da AGP para, numa autofagia, um canibalismo, ela come, ela degusta alguns princípios da AGP, para regurgitar em favor da política que a esquerda oficial quer. Porque mesmo ela não faz críticas efetivamente. Até participa indiretamente, apoiando, fazendo olas a essas anticimeiras, de uma certa forma. [É] a visão mesmo de produtividade de capitalistas que você aproveitar o momento é um ótimo negócio. Aquilo é um ótimo negócio. “Opa, a gente pode tirar algum proveito daí”. Então, de uma certa forma, essa visão ativista, de cimeiras e anticimeiras, facilita esse mercado das posições políticas da esquerda, de se colocar, da representatividade e tal.

Pergunta: Na sua opinião, qual seria a postura alternativa a essa postura, digamos, ativista, que o Andrew X coloca? Ou seja, se a ideia é rejeitar essa atitude, qual seria a alternativa a isso?

Viriato: Houve um antitexto ao texto do Andrew X. Eu não lembro. Uma crítica à crítica ao ativismo. Eu até tinha ou tenho esse texto. Eu tenho até que reler. Mas eu acho que [a alternativa é] o acúmulo de forças. Eu acho que deve-se trabalhar a perspectiva do ser humano nas suas relações cotidianas e ir criando uma força social internacional. O grande problema que eu vejo dessas iniciativas dos grupos de afinidade é que eles têm uma tendência muito forte a se fecharem em si mesmos. E abandonou-se as anticimeiras, o ativismo, mas restou uma certa incapacidade de se conectar, de dialogar, de uma forma mais concreta mundialmente. Essa é uma grande questão que está em aberto. Como é que a AGP pode retomar, digamos assim, um acúmulo de forças sem se preocupar… Dizia a minha avó e os antigos: “Meu filho, não se preocupe não, que o mau se destrói por si mesmo. O que importa é você fazer o bem para você”. Então, se a gente criar um movimento que desenvolva o bem, fazer as construções cotidianas e [elas] se conectarem, desenvolver uma inteligência para isso, as pessoas vão se revoltar, vão criar várias primaveras, vão criar várias assembleias temporárias, várias Grécias, várias Turquias, Argélias, etc. A ocupação lá em Wall Street. Vão se criar, mas vão ser momentos em que elas apenas vão questionar pontualmente, mas qual é o saldo organizativo para que isso venha… Isso é uma questão que tem que estar colocada. A AGP foi uma questão muito interessante, que a gente ainda não levou às últimas consequências de discutir isso de uma forma concreta, que é o local no global e o global no local.

Pergunta: Como isso funcionou aqui para vocês, no Ceará?

Viriato: Funcionou assim: a gente, o Comitê de Solidariedade às Comunidades Zapatistas […] tinha aquela preocupação [com] o que os zapatistas diziam sempre: “Nós estamos aqui, nós fizemos a nossa parte, mas o que nos interessa é o que vocês, mesmo que nos apoiem, vão fazer onde vocês estão”. Então, esse chamado do zapatismo para a gente não é que a gente vai ser zapatista, não. É o que a gente vai fazer com aqueles princípios, inteligentemente, dentro das nossas realidades locais. Então, isso seria o local no global e casando, porque esse chamamento é mundial. Então, essa luta local no global, global no local, era exatamente o que a gente tentava fazer, de não ser, nas nossas limitações, um mero comitê de apoio, mas um comitê que tinha estratégias, táticas, de se ampliar, de levar discussões, enraizar força social autônoma, em que as pessoas pudessem multiplicar seus próprios grupos. E tornando esse questionamento cada vez mais globalizado a partir do local.

Pergunta: Você disse que as discussões sobre a formação do comitê começam em meados de 1998 e que, algum tempo depois do [Segundo] Encontro Americano, o comitê se dissolve, [é isso]?

Viriato: Isso.

Pergunta: O comitê dura, concretamente, […] de quando a quando aqui no Ceará?

Viriato: Finais de 1998 a março… não, a junho de 2000. Eu lembro que […] no Anti-500 anos , o Comitê ainda se colocava como uma organização própria, e fazemos um seminário estratégico… Eu não acredito que eu esqueci de passar esse documento para vocês.

Pergunta: Qual?

Viriato: As resoluções do Seminário Estratégico do Comitê. […] Mas essa resolução está pública. […] Vocês vejam lá: Resoluções do Seminário Estratégico do Comitê de Solidariedade às Comunidades Zapatistas do Ceará, um documento importante.

Pergunta: Que é o seminário de fevereiro de 2000? É esse? Do começo de 2000?

Viriato: É, em 2000 aconteceu esse seminário. Foi até em um assentamento.

Pergunta: Com a dissolução do Comitê, o que acontece depois com as pessoas que participaram dessa iniciativa?

Viriato: Bom, foram diversos caminhos. Desde o que a gente chama de desbunde [risos], o abandono temporário ou não, e alguns continuam a sua tarefa. Ah, você diz em relação ao Comitê?

Pergunta: É, ao Comitê. […] Você diz que o Comitê se dissolve em meados de 2000.

Viriato: Sim. Ele encampa uma nova ideia, que é a rede de movimentos sociais.

Pergunta: A Rede Resistir?

Viriato: A Rede Resistir.

Pergunta: Certo. Então, a Rede Resistir nasce como, digamos, uma continuidade dessa iniciativa?

Viriato: Uma continuidade ampliada. Até para se evitar o perigo de que o Comitê se tornasse um elefante branco, como uma entidade. Um comitê que é uma organização, ele vai disputar espaço com as centrais sindicais ou com o MST… Não se trata disso. É “vamos trabalhar na ideia e numa prática mais ampla, em que as redes possam, com suas diversas diferenças, se colocarem”. Porque dentro do comitê existiam pessoas e grupos que tinham até críticas ao zapatismo, como é o caso da Contra Corrente. Então, uma rede mais ampla permitia que cada um atuasse da sua forma, com o seu pensamento, e iriam dialogar, passo a passo. Tanto que algumas pessoas dentro da Rede Resistir fizeram uma carta contrária à ida ao Fórum Social Mundial. Foram duas cartas do coletivo Contra Corrente, do CAP (Coletivo Acrático Proposta) e Comunidade Piracema. E se colocaram de uma forma muito aberta, sem romper com a ideia de uma rede de resistir mais ampla. Mesmo porque a gente já via as próprias fragilidades nossas. Apesar de tudo isso, uma criança é uma criança. Ela está crescendo, ela recua, ela às vezes precisa de um pai. O pai está ali, já colocado, e ela vai em busca do pai. Então, assim, o Fórum Social Mundial foi um canto de sereia para muita gente. Foi. É uma pressão social muito grande, muito grande mesmo. E você vê boa parte do que se tinha, como a Rede Resistir, passar a participar do Fórum Social Mundial.

Pergunta: Quais [foram] os principais grupos e coletivos que fizeram parte da Rede nesse momento, aqui no Ceará?

Viriato: Nós, o coletivo Contra Corrente, o coletivo Ruptura, o movimento anarcopunk, o Movimento de Luta dos Conjuntos Habitacionais… Alguns desses nem existem mais. É o caso do MLCH [Movimento de Luta dos Conjuntos Habitacionais]; o Centro de Cultura e Organização Proletária do Parque Genibaú; o grupo Rebento Novo, da Terra Prometida; o assentamento Mando Ladino e pessoas independentes, que não tinham grupos propriamente. Basicamente. E alguns grupos do Nordeste, porque a Rede era regional, inicialmente regionalista. O grupo Pernamucambo, tinha o União Libertária do Maranhão, um grupo que eu não lembro o nome do Piauí, os anarquistas geralmente. Mas já começa a haver o processo de definhamento.

Pergunta: Você citou algumas iniciativas da AGP [em] que houve ações aqui no Ceará, por exemplo: o 1º de Maio de 2000, o S26, etc. De que forma, de uma maneira geral, você acha que a AGP contribuiu para a renovação das lutas anticapitalistas, tanto aqui no Brasil quanto no mundo?

Viriato: A AGP, digamos assim, […] mostrou um projeto do ponto de vista espiritual, hegeliano, do movimento da História, para a gente seguir. Ela foi uma iniciativa que se contrapunha ao capitalismo como o inimigo frontal a ser combatido; se colocava com a busca de unidade em todos os continentes, numa luta unificada, como uma forma de ser uma referência para as pessoas […]: “Olha, estão lutando em vários lugares do mundo. Eu estou lutando aqui, mas a minha luta é aquela mesma que acontece em Bangladesh, ou que acontece em Cochabamba, ou em Sydney, na Austrália”. Então, a AGP teve esse mérito. Mas ela apenas se coloca como uma incógnita. Ela é algo assim ainda em aberto. Eu acho que ela ainda é […] um projeto a ser desenvolvido. A AGP ainda está presente no anseio de muita gente que quer um mundo diferente, que reconhece que nenhuma luta restrita a um território nacional, a uma nação, a um país, vai trazer uma solução, uma melhora efetiva de vida. Traz do ponto de vista puramente material, momentâneo. Mas [a AGP] abre a possibilidade de a gente retomar, de uma forma bem prática, em [uma] busca mesmo cotidiana, […] a ideia básica de que a libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores, e toda aquela promessa, toda aquela mística, no sentido positivo, que a Primeira Internacional colocou, de uma luta internacional dos trabalhadores, de que a mercadoria é mundial e todos nós somos mercadoria, e apenas a luta por suprimirmos, autossuprimirmos, essa condição, […] através da luta internacional, política, é que pode nos dar um caminho, uma solução. Então, a AGP coloca essa esperança. Ela é uma esperança, digamos assim. […] Eu acho que a AGP teria condição de ser muito mais ampla do que a própria luta das comunidades zapatistas. Muito mais ampla. Mas esse […] desde o início da AGP até 2001, 2002 - eu diria mais 2001 - foi muito importante.

Pergunta: Foi muito importante?

Viriato: Demais. Puxa vida, aquilo ali foi algo inédito, que não se via. Finalmente nós temos, ainda que seja como um pequeno ensaio do que pode vir a ser mais à frente, uma luta realmente internacional, globalizada, unificada. Eu tenho certeza que as primaveras que houveram, o que aconteceu na Grécia, o Occupy Wall Street, no Egito, na Espanha, o que pode vir a acontecer em qualquer lugar do mundo, mas tá ali um pouco a inspiração do que é a AGP.

Pergunta: Você percebe essa…

Viriato: Eu percebo.

Pergunta: Em junho de 2013 você vê essa…

Viriato: Em junho… isso é uma ótima pergunta. Junho é sui generis. Mas a resposta que eu posso dar é sim. Também. Porque [Junho de 2013] veio na esteira, eu acho, das primaveras que houve no Egito, na Espanha. […] As pessoas querem, efetivamente, um mundo melhor. Só não sabem como. Nós ainda não sabemos como. Mas […], [como] já dizia o cantor Joan Manuel Serrat: “o caminho se faz andando”. Não há caminho.

Pergunta: O caminho se faz ao caminhar?

O caminho se faz ao caminhar. Assim, o Brasil é um país sui generis, porque é um país continental. E Junho de 2013… a gente vê que a esquerda dizer: “Não, tudo isso é culpa de Junho de 2013. Isso que aconteceu, a queda da Dilma, o nosso Lula ser… a fascistização, a criminalização dos movimentos sociais". É muito fácil tirar o seu da reta, com o perdão aí do populacho. […] O Brasil é um país […] continental [que] sempre esteve anos atrasado em relação às lutas políticas no nosso continente. O Brasil, durante o império , queria ser o baluarte do Congresso de Viena, da restauração da monarquia na Europa. Então, assim, pô, esse país aqui é muito gentil. O nosso fascismo é muito gentil. O fascismo brasileiro é cheio de gentilezas, de mimos [risos]. Então, o que me admira é a esquerda não fazer sua autocrítica, da responsabilidade que ela tem pelo que acontece. […] Como é que vou culpar jovens do Movimento Passe Livre, que lutavam com toda honestidade, com toda ânsia, com todo desejo para fazer as coisas acontecerem de uma forma diferente? E eles foram responsáveis pela captura? Quando as pessoas foram acostumadas pela esquerda à cultura da passividade, da representatividade, de esperar por salvadores, de líderes, de incrementar o consumo, de melhorar a mais- valia relativa, de serem proletários, escravos mansos, como nós somos. Eu estou me colocando também porque eu sou cheio de ilusões [risos]. Eu tenho tantas ilusões, rapaz! Vocês nem imaginam. Todos nós temos, mas querer responsabilizar [Junho de 2013] pelo que acontece hoje no Brasil é muita arrogância. É muita arrogância. É mostrar que realmente esse povo precisa de um grande, eu não sei se Freud ou Lacan ou Viktor Frankl, que é um tratamento espiritual bem forte [risos]. Mas, assim… não é fácil. Não é fácil. Agora, sim, a gente luta. Eu sou reencarnacionista. Eu acho que as lutas se reencarnam também.

Pergunta: Você acredita que as lutas se reencarnam?

Viriato: As lutas reencarnam. Elas vão se renovando. Eu acho que se você vê a nossa mentalidade de 200 atrás, de ver a frenologia como ciência, e você ver hoje, tem coisas hoje absurdas, e eu acho que vai acompanhar a própria evolução do ser humano. Mas quem sabe esse planeta pode ser um grande presídio também. Vai depender da gente. Então, assim, a AGP contribuiu bastante. Eu acho que o espírito dela vai continuar porque é o mesmo espírito que iluminou, que inspirou, todas as pessoas que querem um mundo diferente, desde o Renascimento, o Iluminismo, desde a revolta dos primeiros escravos, de Espártaco, sempre vai haver. Enquanto houver injustiça, a gente vai estar sempre nessa busca.

Pergunta: Deixa eu aproveitar para te fazer uma pergunta, que para a gente aparece como uma aparente contradição na história da AGP no Brasil. Porque entre os movimentos fundadores da AGP está o MST, e o MST é muito citado nos documentos da AGP internacionalmente. Como foi de fato a participação do MST nas atividades da AGP aqui no Brasil?

Viriato: […] O MST tem uma visão de autossuficiência da luta política. É uma organização vanguardista, hierárquica, extremamente hierárquica, de projetos políticos muito bem definidos. Para entender a posição do MST em relação às lutas da AGP no Brasil, a gente precisa entender, em primeiro lugar, quem desenvolveu efetivamente, de uma forma mais forte, as lutas da AGP aqui no Brasil: foram os Comitês de Solidariedade às Comunidades Zapatistas. Os Comitês de Solidariedade às Comunidades Zapatistas de todo o Brasil tiveram um papel fundamental porque eles foram, digamos assim, catalisadores e reunidores e instigadores e incentivadores e facilitadores do encontro de várias autonomias. Autonomias mesmo: anarquistas, conselhistas, emancipacionistas, que se colocavam, que viam, identificavam alguns princípios da AGP com o chamamento da Internacional da Esperança zapatista. Então, a luta da AGP no Brasil foi muito influenciada pelas comunidades zapatistas e, aí, se Pergunta: por que o MST teve participação nula nas ações da AGP, apesar de subscrever os documentos na Europa e estar presente como fundador? Ora, o MST não se bica com os zapatistas. São princípios políticos completamente diferentes. Houve até um documento aí em que houve críticas de parte a parte. Não lembro bem qual, mas houve. Então, são visões diametralmente opostas. Enquanto o zapatismo incentiva a horizontalidade, as autonomias, o MST é aquela coisa hierárquica, daquela esquerda tradicional, que iniciou maoísta, com componentes stalinistas, muito forte; os dirigentes, a vanguarda, os especialistas da revolução. E como é que vão participar de algo que está imbuído da inspiração zapatista? […] E piorou quando eles viram, no encontro de Belém, uma assembleia de mais de mil pessoas que romperam com a organização hierárquica do Encontro Americano, da prefeitura de Belém, que o MST fazia parte. Então, eu diria que a participação do MST aqui… Eu acho que a nível internacional é muito cosmética […]. A AGP é uma coisa internacional. É aquela coisa, é um jogo de mercado, de marketing. Então, o MST faz parte de todo um espectro de esquerda que quer administrar o capital, de forma cooperativa e tal. Então, assim, não me é estranho. Eu acho que essa dificuldade política é o fato deles terem visto no encontro em Belém uma assembleia autônoma e que foi esse grupo, esse agrupamento que foi para as ruas durante essas ações globais, que eles tinham que se afastar disso. Teriam que se afastar disso porque eles já estavam vinculados ao projeto de sustentação de um governo Lula, que aconteceu em 2002. Não é à toa que o ápice da luta do MST foi a luta dos anos 1990, em que até o governo FHC, pela pressão do MST, desapropriou muito mais do que durante […] os governos progressistas aí, do Lula e da Dilma. Então, assim, pela luta, mas por quê? Porque desde o encontro de 1991 do MST, lá em Brasília, que eles já se definiram por ser uma correia de transmissão das políticas públicas de um governo democrático-popular no Brasil. Então, eles não poderiam corroborar com pessoas tão heréticas, com as heresias que a AGP, que os zapatistas tentavam colocar aqui no Brasil. Porque é isso: “Nós somos os donos daqui. Deixa esse pessoal agir por conta deles. A repressão vai dar conta deles e não vamos nos misturar com eles não, porque vai atrapalhar a nossa imagem”.

Pergunta: No interior da AGP, você sentia que havia algum tipo de tensão entre os movimentos do norte global e do sul global ou essa era uma relação tranquila?

Viriato: Olha, eu, particularmente, não observei isso. Eu acho que os camaradas do Contra Corrente, […] que estiveram em Cochabamba, que estiveram em Chiapas, […] eles têm mais propriedade para colocar essas questões.

Pergunta: Você não esteve em Cochabamba?

Viriato: Não estive em nenhum dos encontros globais da AGP.

Pergunta: Eu queria pegar um bloco final de perguntas para a gente fazer um pouco um balanço do que foi a experiência da AGP na sua opinião. Na sua opinião, o que a AGP fez de melhor?

Viriato: Eu não tenho a menor sombra de dúvida de afirmar que foi […] ela ser um alento, de nos dar um norte de que a luta só pode ser vitoriosa se ela tiver um componente internacional prático, de vinculação de todos os movimentos. É o grande mérito da AGP.

Pergunta: Ela indicou isso? Ela mostrou isso?

Viriato: Ela indicou isso: “Está aqui. É esse o caminho”. Fomos débeis. Nós, a AGP, fomos débeis. Nós trouxemos contradições internas, nos reunimos momentaneamente. Nossos movimentos talvez pecaram por nunca terem discutido, como princípios fundantes, essa necessidade de luta. Nós nos reunimos, foi bom, nos trouxe muitas coisas, mas nos falta muito ainda. Aí os grupos de afinidade, essa questão dos grassroots, de que, nas comunidades, a gente começa a discutir com as pessoas que, por exemplo, o fato de ela ter um esgoto de rua, que traz um mal cheiro, tem tudo a ver com o trabalho escravo que está sendo feito ali em Bangladesh. E a gente discute isso no cotidiano com as pessoas, de ver que esse sistema é global. A mercadoria, ela… Nós somos feitos mercadoria o tempo inteiro. […] Se os movimentos começarem a trabalhar… Imagina os movimentos fazerem isso como princípio fundante de ação política: saírem dos seus apelos, […] de se prenderem a si mesmos, e tiverem essa extrema generosidade. Se vários movimentos do mundo inteiro fizerem isso e, mais à frente, se reunirem, já com esse espírito fundante neles, aí teremos outra história. Talvez não a vitória ainda, mas avanços. Mas a AGP, digamos assim, ela [mostrou]: está aí, está aqui o esqueleto. O esqueleto de uma luta realmente emancipatória de toda a humanidade, a luta de toda a humanidade. As autonomias.

Pergunta: Você mencionou o que ela fez de melhor e mencionou algumas fraquezas. Quais na sua opinião foram os principais desafios enfrentados pela AGP?

Viriato: O maior desafio dela, que é um desafio natural, porque aí eu não poria como dificuldade, mas como desafio, que é aprender. Talvez o maior desafio, […] ou limitação, foi não ter… Mas eu não posso ser tão duro e tão ranzinza assim, não. Porque ela não aprendeu o suficiente, mas ninguém aprende o suficiente. Mas, assim, acho que o grande desafio dela foi sobreviver.

Pergunta: Esse foi o maior desafio?

Viriato: Sobreviver diante de tantas contradições internas, de tantas diferenças, de tantas improvisações. Porque, por mais que tenha sido algo organizado, você reunir tantas diferenças exige um nível de improvisação e de coragem também. Eu acho que o grande desafio dela foi ter tido essa coragem de lutar por sobrevivência e de enfrentar repressão. Eu não tenho a menor dúvida de que o… Eu não vou entrar na teoria da conspiração de que o 2001 foi… O Word Trade Center foi… Acho que não. Realmente foi… Mas aquilo ali foi uma ponta de lança para que esse movimento fosse alvo de uma repressão mundializada forte.

Pergunta: Você já mencionou isso em alguns momentos do seu depoimento, mas só para deixar registrado de forma bastante pontual, a pergunta é: qual é o grande legado, na sua opinião, que a AGP deixa para as lutas sociais?

Viriato: Precisamos nos unir, mas temos que ter mais compreensão de alteridades, reconhecer mais as diferenças.

Pergunta: E, finalmente, pensando no Brasil, na sua opinião, a AGP influenciou mobilizações posteriores no Brasil? Em caso positivo, quais e de que forma?

Viriato: Eu acho que a AGP, de uma certa forma, inspirou, tanto quanto as comunidades zapatistas, a criação de um campo. Um campo que é muito novo. Eu diria que esse campo não tem, digamos, nem 15 anos de existência. É um campo que nasceu muito pressionado, muito pressionado mesmo, [pela] supremacia e hegemonia da esquerda – da esquerda que a gente vê aí em todos os campos. Nasce muito pressionado, nasce com muita imaturidade também. Mas o mais importante é que são pessoas que já colocam a necessidade de se criticar a ideia de representatividade, de liderança, de buscar autonomias, uma horizontalidade nas nossas relações cotidianas. Eu acho que a AGP coloca isso. Uma luta internacional, mas sim, que ela possa, digamos assim, inspirar e desenvolver autonomias. Eu acho que o MPL, o Movimento Passe Livre, em alguns estados. Eu espero que vocês tenham oportunidade de conhecer o Movimento Ciclovida, que é desse assentamento, os companheiros, né? Eu acho que houve uma inspiração muito forte na questão dos grupos de afinidade. E o próprio Junho de 2013, eu acho que indiretamente a AGP teve uma influência. Porque eu tenho certeza que o Junho de 2013 nasceu com a questão dos 20 centavos. Mas os jovens que estavam com aquela proposição e que foram às ruas, eles estavam olhando e estavam, no coração, sendo inspirados pelas Primaveras que já vinham acontecendo; da Ação Global dos Povos e que, final dos anos 90, já estava se colocando. Eu acho que já existia um campo. Um campo muito… Vai ter que levar muito tempo, porque essa luta que a AGP propõe, os princípios que ela rascunhou ainda, são muito difíceis de ser aplicados, porque nós somos muito domesticados. Nós nos autolimitamos demais. Ela propõe algo muito radical, que é você se autodeterminar, autonomia. É muito fácil você se colocar como liderança e propor salvação para as pessoas. Agora, é difícil, primeiro, você lutar contra você mesmo, com as suas limitações. Você não lutar para ser melhor, que eu acho que é uma luta que as autonomias têm que trabalhar… Estava falando com uma companheira, inclusive de um assentamento; ela dizendo como é triste a gente ver tantos companheiros hoje se suicidando. Pessoas que não veem… E a gente tem que trabalhar isso. Temos que trabalhar isso muito fortemente. E não é acreditando em representantes, em lideranças, em projetos de salvação nacional […]. Então, a AGP trouxe isso para a gente. A gente vê que a gente não está sozinho no mundo.

Pergunta: Você menciona a formação de um campo novo. Se você tivesse que nomear ou descrever esse campo, como você identificaria esse campo?

Viriato: Eu não gosto de rotular, não, mas eu acho que dizer que é um campo das autonomias já… Só em ser autonomias que se autogovernam ou que lutam por se autogovernar, já diz muita coisa. É um campo ingovernável. Um campo de autonomias.

Pergunta: E esse campo surge nesse momento no Brasil ou já existia antes, na sua opinião?

Viriato: Ele surge nesse momento. Ele surge na confluência da inspiração zapatista com a da Ação Global dos Povos. Surge nesse momento. Havia buscas que eram muito mais éticas.

Pergunta: Elementos?

Viriato: Elementos muito, assim, ainda…

Pergunta: Dispersos?

Viriato: Dispersos e instintivos, digamos assim. Mas eles começaram a se clarificar melhor com a AGP e a inspiração zapatista. Eu não consigo separar a AGP da inspiração zapatista. Eu acho que são movimentos que se casaram […] e vieram para ficar. Eu acho que depois disso as coisas já não são mais as mesmas. Nós finalmente teremos uma – eu não gosto de chamar esquerda, não - mas um campo que jamais… Eu posso estar até errado, eu não sou profeta, mas ele […] tende, em 90%, a não ser um campo de facilitadores de fascismos. Porque a atual cultura política da esquerda é uma cultura apenas de toma lá, dá cá. É uma cultura de alternâncias no poder. Então, assim, de acordo com a conveniência da economia política, dos grandes conglomerados econômicos, ela é ou não necessária para a manutenção do capital. Se hoje, essa esquerda, com a sua cultura política que reforça isso, não é necessária, não é culpa de movimentos que buscam autonomia, não. É culpa das suas próprias limitações também. Mas esse campo eu acho que dificilmente vai ser um campo manobrável por esse tipo de expediente. Capturável ele é. Capturável, tudo é capturável, mas a gente trabalha com as nossas próprias contradições. São erros e acertos, mas eu acho que as coisas já não são mais as mesmas. Como nunca são. Eu estou com redundância aqui, na verdade.

Pergunta: Você disse que não gosta de usar a palavra esquerda para se referir a esse campo. Por quê?

Viriato: Eu acho que esquerda e direita é uma tradição da luta política burguesa. Eu acho que vem daquela separação entre jacobinos e girondinos, os que estavam à direita e à esquerda […] na Assembleia Nacional Constituinte. E se você está à esquerda, você tem uma posição, você entra com o pé esquerdo, entra com o pé direito. Eu acho que são vicissitudes do espetáculo, do capitalismo, da sua estrutura política. Eu acho que essa divisão de poderes Legislativo, Judiciário, tudo isso tem que ser superado. Tudo isso aí ainda é influência do liberalismo clássico, dos Estados nacionais. Tudo isso está voltado à luta nacional, à limitação das fronteiras nacionais. A AGP jamais […] pode ser classificada como esquerda, ou como extrema-esquerda. Eu acho que numa assembleia popular deve lhe ser dada a completa liberdade de estar onde quiser no seu posicionamento político. O que importa é que você jamais se coloque acima, como representante. Você tem apenas ali o poder que lhe está delegado temporariamente. Não importa se você está dentro do parlamento à esquerda ou à direita. A questão é que você tem que estar prestando contas a quem está na base, é a assembleia. Então, fazendo isso, essa questão de estar à esquerda ou à direita perde o sentido, porque o fundamental é a assembleia. É o poder sendo diretamente exercido. […] Existir esquerda e direita são coisas próprias da linguagem, da cultura política, dos parlamentos. Então, a gente não vai querer um mundo em que os parlamentos nos rejam. Em cada rincão, em cada localidadezinha, num pequeno bairro, num pequeno sitiozinho, as pessoas têm que estar ali totalmente livres, autônomas, donas das suas próprias vidas. Isso no sentido coletivo mais amplo possível. Então, eu acho que é a limitação mesmo nossa, a nossa evolução ainda está muito… Mas a gente vai caminhando e se você comparar o que era a monarquia, o Estado feudal para o que é hoje… Mas a gente não pode achar que as categorias, digamos assim, do capital, da estrutura política, da luta política, a gente vai ter que estar eternizando. A gente age, às vezes, como os heliocentristas agiam, que o Sol é que gira em torno da Terra . A gente age assim, a gente não questiona. A gente só vê o imediato. E essa questão de esquerda- direita, a gente tem que ser mais copernicano. Esquerda-direita, isso aí… Eu tenho muitos familiares que… Ontem mesmo eu estava com o meu pai, ele super feliz porque o Lula foi condenado . Aí eu disse: “Não, pai, que é isso? É um grande erro que o senhor está cometendo”. [Ele disse]: “A esquerda nunca mais vai tomar o poder”. Aí eu disse: “Meu pai, o senhor está tão enganado. A esquerda não tem poder nenhum. Nem a direita teria". A base do poder não está aí, não. A base do poder está em quem realmente controla as nossas vidas. O que controla as nossas vidas? Nós temos poder sobre as nossas próprias vidas? É a grande questão. Então, assim, esquerda-direita… Nós temos que ser anticapitalistas. Nós temos que […] buscar a emancipação da humanidade, [buscar] ter um planeta melhor. A gente não pode olhar só para esse planeta, não estamos sozinhos no universo. Isso aí eu tenho plena convicção. E eu tenho certeza que [são] mundos com tecnologia superior, são mundos mais felizes e melhores, com um tipo de organização social em que a nossa aqui ainda é de total incompreensão. Nesse sentido, eu sou completamente comunista. Comunista. Eu sou comunista.

Pergunta: Mas não de esquerda?

Viriato: Mas não de esquerda [risos].

Pergunta: Comunista zapatista?

Viriato: [Risos] Porque é isso: um mundo sem classificações, sem separações. Um mundo feliz, rapaz, em que a gente vai até levitar, sabe-se lá.

Pergunta: Uma energia diferente, né?

Viriato: Totalmente diferente. Um mundo em que o ar é diáfano. A gente não tem a menor noção do que somos efetivamente. A gente está aqui num aprendizado. Eu já estou entrando em outro canto [risos].

Pergunta: Basicamente é isso. Você quer falar alguma coisa que você acha que a gente não perguntou, relativo até ao início da entrevista?

Viriato: Eu só quero agradecer a iniciativa de vocês, dessa retomada da história oral da Ação Global dos Povos. Eu acho que isso é muito importante como um registro. As nossas falas são importantes, mas elas são sempre limitadas e têm sempre que ter a preocupação de não ser limitantes. Tenho certeza que muito do meu depoimento e do depoimento que outras pessoas possam dar, elas têm sempre que estar postas ao crivo da liberdade e da crítica das pessoas. Espero que esse trabalho de vocês possa render frutos muito importantes aí.