South America Latin America

Bolivia - Carlos Crespo

Bolivia - Casimira Rodriguez

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Casimira Rodriguez: Pero bueno… cómo me he involucrado con las organizaciones. La propia situación de aquellos años, estamos hablando de unos 35 años atrás cuando empiezo a entrar a la lucha. Tal vez, mi situación era totalmente diferente, ¿no? Yo trabajaba en una casa y en aquellos años todavía le decían a la empleada doméstica “sirvienta” ¿no? Un día, encuentro yo a otras personas, digo yo, otras compañeras, una trabajadora del hogar que me invitó… De niña yo he aspirado a ser costurera, entonces, porque, en el campo nunca se sabe que profesión voy a tener, nada, no se piensa, no se hace, solamente los niños crecen y su mamá es madre de familia, y su papá es minero o agricultor. No sé en qué rato escuché que su hija era costurera y dije: “pucha, bonita profesión”, entonces, “quiero ser costurera”, y al final de niña soñé eso y me olvidé.

Bolivia - Leonilda Zurita

Bolivia - Rafael Puente Calvo

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Itxaso Arias: La entrevista es un poco como lo que te envié1, ¿recuerdas? Ver un poco el contexto de todo este movimiento antiglobalización, la historia de la AGP y comentar sus líneas que marcan más el sentido que se le da a la acción desde la AGP y luego ya centrándonos en Bolivia, en este momento histórico que consideran que tocaría hacer en relación a los movimientos sociales. Este sería el recorrido, ¿qué te parece?

Bolivia - Theo Roncken & Jorge Komadina

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Itxaso Arias: Claro, el contexto de la PGA es por los años 90. Se suele plantear como antecedente el Encuentro Zapatista del año 96 y en el 97 ya se crea formalmente en Ginebra, es en ese marco de la antiglobalización. Y claro, en esos años en Bolivia del 97 al 99 no pasa nada…

Brazil - Acácio Augusto Sebastião Júnior

Brazil - Elaine Campos

Brazil - Felipe Corrêa

Brazil - Guilherme Falleiros

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[Observação: Entrevista realizada por escrito]

Pergunta: Poderia nos contar um pouco da sua trajetória e como se tornou um militante?

Guilherme Falleiros: Salve! Por volta de uns 10 anos de idade (meados dos anos 80, calcula aí, ehehe) já nutria simpatia pelo anarquismo, principalmente por influência do punk, e também uma proximidade com a esquerda por influência de meus pais (bancários) e do clima sindicalista do ABC. Mas iria me tornar punk mesmo muito tardiamente (por volta dos 21 anos).

Brazil - José Eduardo Montechi Valladares de Oliveira

Brazil - Viriato (Nome Fictício)

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Pergunta: A gente gostaria de pedir para você nos contar um pouco da sua trajetória como militante político, aquilo que você se sinta confortável para nos contar, no sentido de a gente situar um pouco a sua experiência pessoal no contexto do que foi a sua participação na Ação Global dos Povos.

Zbrati - Colombia - El Proceso de Comunidades Negras

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Interviewer: bla-bla

Zbrati - Ecuador - Confederación Única Nacional de Afiliados al Seguro Social Campesino - Coordinadora Nacional Campesino

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Interviewer: bla-bla

Interviewee: la-la-la


Actualmente esperamos recibir o recopilar una entrevista de esta organización.

Este proyecto no representa la gama completa de movimientos y activistas involucrados en PGA. Como tantos proyectos activistas y de investigación, este está determinado por redes sociales limitadas y por los desequilibrios y prioridades de recursos dentro de nuestro sistema global.

Zbrati - Panama - Movimiento Juventud Kuna, MJK

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  • Region: Latin America
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  • Date:
  • PGA Affiliation: Movimiento Juventud Kuna, MJK
  • Bio: Esta era una organización convocante.
  • Transcript: Zbrati: Ta spletna stran je škrbina za snemanje intervjuja. | To gather: This web page is a place-holder stub for an interview.

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Interviewer: bla-bla

Interviewee: la-la-la


Actualmente esperamos recibir o recopilar una entrevista de esta organización.

Este proyecto no representa la gama completa de movimientos y activistas involucrados en PGA. Como tantos proyectos activistas y de investigación, este está determinado por redes sociales limitadas y por los desequilibrios y prioridades de recursos dentro de nuestro sistema global.

Zbratiz - Latin America - Various Organisations


Actualmente, esperamos recibir o recopilar entrevistas de varias organizaciones latinoamericanas.

Este proyecto no representa la gama completa de movimientos y activistas involucrados en PGA. Como tantos proyectos activistas y de investigación, este está determinado por redes sociales limitadas y por los desequilibrios y prioridades de recursos dentro de nuestro sistema global.

Tenemos entrevistas de solo algunas de las siguientes organizaciones:

Latin America

Si puedes ayudar con contactos, entrevistas o te gustaría participar de alguna otra manera, contáctanos. Te invitamos a contar tus historias y a recopilar las que creas que deben contarse. A pesar de las muchas lagunas de este proyecto, lo presentamos con la intención de inspirar a otros e indicar una muestra de la diversidad de la participación.

Brazil - Elaine Campos

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Entrevistadores: 17 de março de 2019. Entrevista com a Elaine Campos. Elaine, gostaria de começar te pedindo algumas informações básicas, tá? Nome completo, por favor.

Elaine Campos: Elaine Campos

Entrevistadores: Idade?

Elaine Campos: 44

Entrevistadores: Gênero?

Elaine Campos: Feminino

Entrevistadores: Cor?

Elaine Campos: Branca

Entrevistadores: Ocupação?

Elaine Campos: Eu sou fotógrafa e trabalho numa ONG.

Entrevistadores: Perfeito. Então, primeira coisa que eu gostaria de pedir, Elaine Campos, é, assim, pra você contar um pouco da sua trajetória de vida, como você se tornou uma ativista, por favor.

Elaine Campos: Minha experiência na militância, ela começa nos anos 90. No início dos anos 90, 95, mais ou menos. Eu não sou de São Paulo.

Entrevistadores: De onde você é?

Elaine Campos: Eu sou de São Gonçalo, Rio de Janeiro. Me mudei pra Santos, em 94, e lá em Santos eu conheci um grupo chamado ULBS. União Libertária da Baixada Santista. E eles faziam grupos de estudos, pequenas ações na Baixada Santista - Santos é uma cidade bem pequena, mas a maioria ali tava também nas periferias: São Vicente, Cubatão… Eu morava em Santos, fui morar em Santos com umas outras pessoas e comecei a conhecer essas pessoas de lá. Não tinha experiência nenhuma com militância antes. Eu tinha 19…tinha recém 19 anos.

Entrevistadores: E o que te atraiu pra militância?

Elaine Campos: O que me atraiu foram as questões que eles começaram a abordar. Primeiro, por quê? Vou contar o porquê disso. Antes disso vem a cena musical. Eu venho de uma experiência com o movimento Punk, eu fui morar em Santos em 95 e fui tocar numa banda Punk chamado Abuso Sonoro. E o abuso sonoro era uma banda que já tinha um… questões políticas nas suas… nos seus conteúdos, né, inspirada em bandas como o Cólera, bandas da época, da própria Baixada Santista, que discutiam questão ambiental, feminismo, questões raciais, então… nesse contexto a gente vai se aproximando com pessoas que dialogam com a gente. Então foi aí que me deu…me despertou interesse em me aproximar desse grupo, que eu fui fazendo amizade com eles… A ULBS tinha até uns parênteses no nome nos textos, cartas de princípios, era UL, movimento punk, , Baixada Santista. Eles eram mais jovens também e tudo envolvido com cena Punk. Então eu acho que esse cruzamento se dá pelo meio musical, mais contestatório, e aí eles me convidaram pra um grupo de estudos que eles faziam sobre anarquismo.

Entrevistadores: E isso foi quando?

Elaine Campos: Isso foi 95. Que eu me mudei em 94 e aí fui conhecer eles assim no final de 94 pra 95, foi quando eles me convidaram

Entrevistadores: E você sabe quando que a ULBS surgiu?

Elaine Campos: A ULBS…nossa…a ULBS acho que é um pouquinho antes, deve ser 93, 92.

Entrevistadores: Mas é anos 90 de qualquer forma, né?

Elaine Campos: Anos 90 de qualquer forma. ULBS, talvez você vá perguntar ainda, mas adiantando: todo seu acervo, se vocês forem futuramente pesquisar em acervo, eles estão na biblioteca do NELCA (Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri), que é lá na Baixada. Eles ficavam na minha casa uma época… na casa de um dos militantes, depois passou pra minha casa, depois foi pro NELCA, que eles acabaram montando a biblioteca, então tudo o que a gente construiu… inclusive ata… a gente tem ata! Assim, era muito… a gente era…mais jovens, extremamente jovens, da periferia, que tinham no máximo o ensino médio - eu não tinha ensino médio! Então a gente tá num outro contexto assim…

Entrevistadores: E ata é uma raridade no movimento libertário, né? De fato, é uma coisa…

Elaine Campos: A gente fazia, muitos jovens escreviam a ata por extenso, “mil novecentos e…” Tá lá. Os livrinhos pretos com quem participou das reuniões, muitas reuniões aconteceram na minha casa. Então o que me aproximou da ULBS foi isso. Acho que essa confluência de ideias, a gente dialogava muito, banda, pessoas em cidade pequena e acontecendo um monte de coisa, né? Nesse contexto…

Entrevistadores: E quais eram as pautas do grupo de estudos, o que que rodava de autor, se tinha leitura…

Elaine Campos: A gente leu muito os clássicos, né? Malatesta, [inaudível], Emma Goldman…a gente…era engraçado porque quando eu penso nessas leituras, pra gente que num tinha nem ensino médio… eu achava muito difícil. Eu achava muito difícil… Assim, passados, sei lá, vinte e tantos anos depois, eu fico assim: Agora eu vou reler… (risos), agora eu vou entender (risos). Porque é muito intenso, assim. Mil oitocentos e num sei o que…

Entrevistadores: Vocês eram muito jovens, né?

Elaine Campos: A gente foi preso porque estava numa manifestação no Haymarket…a Ema Goldman contando..

Entrevistadores: Mas por quem que chegava isso? Essas leituras em vocês? Tipo, por quê?… E por quem também.

Elaine Campos: O que a ULBS tinha muito de inspiração? O Centro de Cultura Social, o CCS. Em São Paulo. Inclusive pessoas que eram da ULBS hoje fazem parte do CCS.

Entrevistadores: Ah… ou seja, a fundação da ULBS da Baixada foi uma, de certa forma, uma tentativa de replicar o CCS…

Elaine Campos: É, essas experiências libertárias, que volta com força nos anos 80, pós ditadura, né, porque tem aquele ato, né, que foi…ah, CCS 1933…Mas, imagina, nós saíamos, da baixada, e íamos nas palestras no CCS. Ou a gente chegou a fazer círculos de jornada libertária, ciclos de cultura libertária, lá em Santos e trazia os velhinhos. Tipo, eu conheci o Cubero, o Jaime Cubero. Ele fez palestra lá com um monte de anarcopunk…era essa troca. Por isso que interessou a gente esse anarquismo mais clássico.

Entrevistadores: E a ULBS resgatava a memória do movimento anarquista em Santos também ou não?

Elaine Campos: Também, também. A gente era muito… a gente tinha um… por que a gente fazia um grupo de estudos? Pra entender o que que a gente estava falando. Como é que a gente ia explicar pra sociedade de modo geral que eu ia fazer um manifesto. Santos tem uma questão muito forte que é a questão ambiental. Por terem muitas indústrias, né, que poluem, Cubatão… A gente estava muito ali naquele diálogo com um movimento de lá que chamava Alternativa Verde

Entrevistadores: Sim, Coletivo Alternativa Verde, né?

Elaine Campos: Eram todos amigos, a gente fazia muita coisa junto, né? E a gente tinha esses temas muito presentes. Fazer ações, tipo quando a USP ia mandar o lixo contaminado com radioatividade nos conteiners pra Santos, a gente fez um protesto…tentamos fechar a área portuária lá… Imagina, meia dúzia… Tem fotos pra provar que a gente tentou fazer isso (risos)… E ficavam os mais velhos do movimento ambiental, aquele povo…a gente tudo jovenzinho, tava lá com as plaquinhas… Então fazia essas coisas de ação direta.

Entrevistadores: O ambientalismo libertário era uma referência pra vocês, então?

Elaine Campos: Era uma referência…

Entrevistadores: Quais eram os principais autores que vocês tinham de referência do ambientalismo libertário?

Entrevistadores: O Murray Bookchin acho que era o principal. Do municipalismo libertário. A gente tava tentando entender aquele contexto de acordo com nosso entendimento intelectual, que era muito…pô, um monte de jovem, por mais que eu…pra juventude de hoje eu entrei bem tarde no movimento. Imagina, a galera tem 15 anos já tão tudo dialogando aí, enfrentando… Eu vejo, eu tinha acabado de fazer 19 anos, só que eu não tenho referencial, não tenho esse referencial de militância política próximo. Eu, antes de sair de São Gonçalo no máximo eu ouvia metal e tentava entender o que as bandas diziam bandas gringas, com o dicionário, ler as letras e fazia fanzine. Eu e meu irmão, a gente fazia fanzine.

Entrevistadores:. Ou seja, no seu caso o processo de politização foi todo através da música mesmo, né?

Elaine Campos: Todo através da música. Lembrando um pouco de São Gonçalo, pra não dizer que eu não conhecia nada, quando eu fui começar a ir pra Santos e voltar, antes de eu ir morar, eu conheci o CEL (Centro de Estudos Libertários), que funcionava lá no Rio. Chamava CEL - Centro de Estudos Libertários, que também era uma galera mais acadêmica, mas eles faziam grupos de estudos lá e uma amiga de São Gonçalo que conhecia o pessoal punk do Rio trouxe pra mim um fanzine. “Olha aqui, ó, esse aqui é o panfleto do pessoal lá do Rio, do Centro de Estudos Libertários”, eu “Ah, legal”. Foi a primeira vez que eu ouvi falar de anarquismo. Aí eu fui pra Santos e me envolvi lá, de fato.

Entrevistadores: Quando, como foi, assim, a primeira vez que você ouviu falar da AGP? Como foi o seu contato com a Ação Global dos Povos?

Elaine Campos: Então, a Ação Global dos Povos… até hoje eu fui dar uma lida em algumas coisas pra poder refrescar a memória, né, vi que o Felipe (Corrêa) fez aquela autocrítica lá que vocês devem ter lido1. Eu acho que tem muitas lacunas, ali, no Felipe. Até mesmo porque ele…primeiro que a carta de princípios da AGP… A AGP foi…vocês que estão bem mais mergulhando profundamente nesse estudo, a AGP chegou um momento que tentaram meio que dar uma institucionalizada em São Paulo. Alguém deve já ter falado sobre isso. Mas, pra trás, era um chamado… Se a AGP era uma ferramenta pra convocar e fazer movimentações e ações globais, se era uma ferramenta, ninguém era membro da AGP, logo, um chamado internacional, você estava fazendo já uma Ação Global como AGP. E lá, o Felipe vai falar que a primeira Ação Global dos Povos que acontece de fato é em São Paulo. E não é. Não é, porque lá em Santos, como a gente estava muito envolvido com o movimento ambientalista, existe uma pessoa chamada Moésio Rebouças que faz a agência de notícias (anarquistas) até hoje. O Moésio era o cara que captava todas as informações internacionais e ele recebia muita correspondência. O que aconteceu? Numa das reuniões com o Moésio e a ULBS, ele trouxe o panfleto da Ação Global dos Povos, da AGP internacional. O que era o panfleto? Era uma foto do MST, tudo em inglês, dizendo: “carnaval contra o capitalismo global”.

Entrevistadores: Ah, isso, o J18, em 98, isso.

Elaine Campos: Em 99

Entrevistadores: Em 99, isso, perdão. 99, sim.

Elaine Campos: Teve o J18, mas ele trouxe do N30

Entrevistadores: Ah, do N30, já de Seattle, então…

Elaine Campos: Já era do N30 que foi em Seattle, que a gente…o que aconteceu? A gente respondeu ao chamado em correspondências, ele traduziu, a gente fez reuniões, a gente construiu uma Ação Global dos Povos em Santos…

Entrevistadores: Ah, então no N30 teve a Ação em Santos.

Elaine Campos: Teve. Eu vou provar pra vocês!

Entrevistadores: Não, a gente acredita! Totalmente! Acreditamos em você!

Elaine Campos: Não, é que eu fui mexer nesses arquivos e eu tenho aqui fotos.

Entrevistadores: Olha, que legal!

Elaine Campos: E tá escrito Ação Global dos Povos.

Entrevistadores: Sim! E foi o único ato no Brasil, né?

Elaine Campos: Eu acho que foi em Fortaleza…

Entrevistadores: Fortaleza também, tá…

Elaine Campos: Acho que Fortaleza com o pessoal lá do Contra Corrente… E a gente fez o que eles diziam no panfleto: É uma Ação Global, não importa se você vai fazer um teatro, se você vai fazer uma panfletagem, se você vai fazer uma ação grande, não importa. A gente foi pra rua, depois vocês olham. E a gente atendeu ao chamado, fez a Ação Global, voltamos pras nossas casas e ligamos a TV e o que que estava acontecendo em Seattle?

Entrevistadores: Aquilo, né?

Elaine Campos: Não tinha internet, gente. Eu não tinha internet…não, eu tinha internet aquela que era do IG (Internet Grátis) discado, depois da meia-noite…

Entrevistadores: Sim, fazia aquele barulhão, né?

Elaine Campos: A gente só via internet à noite…

Entrevistadores: Claro, porque era um pulso só, né? Exatamente…

Elaine Campos: Então não tinha internet… aí gente viu pela TV e falou: “Ca-ra- lho”! Que que é isso que tá acontecendo em Seattle? Milhões de pessoas… Hoje a gente tem a dimensão de que aconteceu em Praga, a gente já sabia que ia ter milhares de pessoas em Praga.

Entrevistadores: Mas antes de Seattle vocês não tinham a ideia de que seria aquilo?

Elaine Campos: Que seria aquilo. A gente só… a gente fez a Ação Global dos Povos pelo chamado internacional, enquanto organização anarquista…

Entrevistadores: Vocês estavam no analógico pro digital, né? Tava bem no…

Elaine Campos: Exatamente. A gente tava bem no analógico ainda e depois a gente tomou a dimensão e depois com tudo isso a gente soube que teve em Fortaleza, a gente conheceu o pessoal do Contra Corrente. Tinha muito isso das pessoas trocarem correspondência, os próprios fanzines ou comunicados, ou virem mesmo. Pegar um ônibus e vir fazendo o rolê até São Paulo…

Entrevistadores: E desculpa te interromper, só pra fazer uma pergunta. O Moésio era da ULBS, fazia parte da ULBS?

Elaine Campos: O Moésio não fazia parte da ULBS, mas ele era um grande apoiador. A gente fazia coisas juntos, a gente sempre fez coisas juntos. Não pode se dizer que ele era da ULBS porque ele não tava nesse contexto organizativo de reunião, que a ULBS era muito engessada no sentido de ser uma organização que, assim, você quer participar? Então toma aqui nossa carta de princípios, leia, se você concordar com esses princípios aí você venha na próxima reunião dia tal, e aí a gente apresenta você pro grupo. Só que antes de convidar você, todo mundo do grupo estava sabendo porque a gente discutia uma reunião antes. Assim funcionava a ULBS.

Entrevistadores: A ULBS seguia a linha especifista ou não?

Elaine Campos: Não, era autônomo. Porque o especifismo mais federativo também tem essa…A ULBS é uma…sempre foi uma organização extremamente autônoma, não tava federado, embora discutisse muito federalismo em vários contextos, acho que hoje mais do que nunca… o Marcolino, que é uma das pessoas que tá no NELCA a gente não era uma organização especifista, plataformista…

Entrevistadores: Entendi. Mas tinha esse contexto organizativo mais desenvolvido do que algumas outras organizações, né?

Elaine Campos: Talvez, se você conversar com o Marcolino ele pode falar o contrário do que eu to falando, ele pode entender que aquilo é um plataformismo especifista…No meu contexto hoje de entendimento do que é, mas a gente não estava nesse contexto a gente não estava seguindo nenhuma federação, a gente era totalmente autônomo, independente, enfim…

Entrevistadores: E aí, depois do N30, como que se dá o envolvimento da ULBS com os atos… com as ações convocadas pela AGP? Como que houve isso?

Elaine Campos: Foi 99 o N30, né? Foi 99?

Entrevistadores: É, fim de 99, novembro de 99.

Elaine Campos: Eu me desligo da ULBS nos anos 2000. O que que acontece? Eu saio de Santos, em meados de 2000 venho morar aqui em São Paulo com outras pessoas do movimento libertário. Aí eu vim pra cá, trampar e voltei a estudar em Santos e me transferi pra cá, vim fazer o ensino médio aqui e aí aqui eu comecei já a me envolver com os grupos daqui. Só que o que que acontece? Lá em Santos, a ULBS ela tinha participação em outros grupos de referência. Projetos, enfim… Eu estava num projeto chamado Projeto ACR, que é Anarquistas Contra o Racismo. O projeto ACR tinha 5 núcleos no Brasil, então a gente se reunia, sei lá, a cada 6 meses todos os núcleos, numa cidade, fazia reuniões pra discutir o que a gente ia fazer…sei lá, campanha de libertação pro Mumia Abu-Jamal.

Entrevistadores: Tá, isso foi uma campanha importante…

Elaine Campos: Isso foi… a ULBS, ela é uma das primeiras a impulsionar a campanha porque o Moésio começa a receber os comunicados em 95.

Entrevistadores: Ah, nossa, lá atrás, não tinha nem AGP, não tinha nada…

Elaine Campos: A gente começa a impulsionar a campanha por conta das traduções do Moésio…e ele participa disso. Porque nos panfletos que a gente tem, esse material que a gente tem, ele já ajudava. Então o Moésio nunca foi de fato da ULBS, mas ele sempre tava junto com o projeto ACR, com a ULBS, com o coletivo Alternativa Verde… Então, assim, eu participava do projeto ACR, a gente fazia, já desenvolvia a campanha do Mumia Abu-Jamal e aqui em São Paulo eu vou me envolver mais com o Movimento Anarcopunk.

Entrevistadores: Tá. Com algum coletivo específico ou com o movimento em geral?

Elaine Campos: O MAP, o Movimento Anarcopunk, eles tinham mesmo uma forma organizativa autônoma, tanto é que o MAP acabou, o que existe são indivíduos Anarcopunks.

Entrevistadores: Quando que o MAP acaba?

Elaine Campos: Eu acho que o MAP acaba já tipo… eu não vou poder dizer com firmeza porque eu não fiz parte do MAP enquanto militante. Eu tive sempre envolvida nas coisas que o MAP fez… eu acho que 2007, por aí, 2008… Ele vai meio que perdendo força porque o MAP reúne outros grupos na época pra reunir os punks e sair dessa coisa do ganguismo que era o que estava acontecendo sempre, né? Cria a UMP (União do Movimento Punk)

Entrevistadores: Que ficou histórico aqui, em São Paulo…

Elaine Campos: Eles se reuniam no MASP…Uma época o MAP chamou umas reuniões pra chamar os mais jovens pra se aproximar do anarquismo, porque tinha muito punk ganguista. Aí eles criaram um negócio chamado… pode se dizer que criaram…a UMP, que era União do Movimento Punk.

Entrevistadores: Ah tá, pra tentar fugir do ganguismo. Tá.

Elaine Campos: E reunia, sei lá, 50 punks ali no MASP (Museu de Arte de São Paulo) e eles ficavam discutindo e todo mundo foi se conhecendo… A UMP deu muito certo em um momento, depois acabou também. Mas aí eu me aproximei da AGP nesse contexto de militância com a luta anti-cárcere, conhecendo mais de perto as pessoas daqui…muitas das pessoas que eu conheci aqui eram estudantes da USP. Eu não era… Eu era estudante do ensino médio.

Entrevistadores: Mas você participou das reuniões organizativas da AGP aqui em São Paulo?

Elaine Campos: Sim. Foi em 2001, foi no ICAL (Instituto de Cultura e Ação Libertária) Acho que alguém já deve ter falado isso, talvez… Bate as datas?

Entrevistadores: Bate, bate. Vc chegou a participar das reuniões de preparação pro A20, ou não?

Elaine Campos: Eu participei das reuniões de preparação, participei de uma oficina… Muita coisa aconteceu no campus da USP…

Entrevistadores: No campus da USP, né? Treinamento de Ação Direta…

Elaine Campos: Tipo assim, eu participei do treinamento da Starhawk, que acho que era o contato do Pablo Ortellado na época, e ali a gente começou a ter mais embasamento com relação ao que estava circulando nos Estados Unidos pós-N30. Que aí começaram a discutir desobediência civil não violenta, aquele contexto todo que a Starhawk vai desenvolver com a gente nas oficinas, que foram, sei lá, dois, três dias… que a gente não tinha muito isso… não era muito presente no nosso contexto de militância anarquista.

Entrevistadores: Deixa-me fazer… desculpa te interromper…

Elaine Campos: Pode fazer…

Entrevistadores: Para te fazer uma pergunta: você diz que você fez parte da Cruz Negra Anarquista. Como que foi essa experiência?

Elaine Campos: A Cruz Negra Anarquista, ela nasce nesse período, assim, 2000, 2001. A gente meio que nasce como um grupo de afinidades, porque aí aparecem as palavras: grupo de afinidade. Não tinha isso. Tudo meio Norte-Americano. Foram traduzindo todos aqueles manuais de desobediência civil não violenta, tudo Norte-Americano, tanto é que eu acho que muita coisa não funcionou naquele A20.

Entrevistadores: Foi uma tentativa de importar que não deu muito certo.

Elaine Campos: Não deu certo. Mas a gente cria ali junto com algumas pessoas que eram da USP, também anarquistas… um grupo legal, né, uma Comissão Legal, essa comissão que desenvolve a Cruz Negra. Mas eu já venho do referencial da ACR, que é o Anarquismo Contra o Racismo, que já fazia luta anti- cárcere. Então eu, algumas que eram da Comissão Legal já tinha esse tema da luta anti-cárcere presente, então por isso que a gente… quando ela fala assim: escolhe pessoas pra fazer seu grupo de afinidades. A gente se juntou porque a gente já conhecia essa discussão sobre luta anti-cárcere. Então tá, então a gente vai ajudar com questões legais. Aí a CNA, a gente vai traduzindo os materiais também e vai começando e cria a Cruz Negra Anarquista nesse período.

Entrevistadores: E aí no A20 você já tá atuando como Cruz Negra Anarquista?

Elaine Campos: No A20 a gente já… eu acredito que sim… Sabe o que acontece? O meu acervo… o nosso acervo ali da… eu morei numa casa que era meio coletivo. A gente tinha um acervo de tudo o que a gente fez, tudo, tudo, tudo. Cada panfleto, cada fanzine, cada texto traduzido… tudo. A pasta do grupo de estudos… tudo. Eu tenho até a pasta do grupo de estudos da Cruz Negra guardada. Tenho. Mas tudo isso a gente deu para a biblioteca Terra Livre.

Entrevistadores: Ah, legal.

Elaine Campos: Se vocês precisarem pesquisar a Cruz Negra Anarquista é o Rodrigo… ele foi da Comissão Legal e foi da Cruz Negra com a gente.

Entrevistadores: É o Rodrigo Rosa?

Elaine Campos: É. O Rodrigo Rosa ele foi…Outro nome que você pode colocar aí, depois eu posso indicar falar com ela, que é uma mulher, que eu acho que vai ser superlegal vocês também trocar ideia com ela, que é a Bruna Mantese.

Entrevistadores: Ela era da Cruz Negra, né?

Elaine Campos: Ela era da Cruz Negra. E ela era desse contexto todo também de Movimento Anarquista, ela também era estudante da USP na época e a gente foi se conhecendo… A gente se conhecia antes. Do CCS, talvez, de coisas assim dos anos 90, mas não dá, você mora na Baixada não dá pra estar sempre aqui. Então eu a conheci pelo movimento feminista também…

Entrevistadores: Deixa perguntar uma coisa: você citou o CCS… tinha alguém no CCS nessa época que concentrasse mais essas as atividades ligadas à AGP? Ou não?

Elaine Campos: Então, nesse momento aí… o CCS aí dos anos 2000, tinha o… como era o nome dele? Além do Óculos, que era o apelido, né, que chamam ele, tem um outro menino que é professor lá pelo nordeste agora. Ah, Nildo (Avelino)!

Entrevistadores: Ah, o Nildo Avelino

Elaine Campos: o Nildo também estava nesse período. Eram os mais jovens do CCS, porque os outros já não estavam…

Entrevistadores: Porque a gente gostaria de conversar com alguém do CCS…

Elaine Campos: Pra saber quem… Entrevistadores: É, porque o CCS teve um papel importante… Nessa época…

Elaine Campos: Antes de espaço como referência anarquista você pode… ah, pode ir lá… não tinha outro.

Entrevistadores: Sim, era O CCS, né?

Elaine Campos: Depois que vem o ICAL …que vem com os intelectuais da PUC (Pontifícia Universidade Católica), da USP, do próprio CCS, tipo a Margareth Rago que era do ICAL. Depois, as pessoas que fizeram parte do ICAL foram pro CCS depois, de novo. Embora já tivesse ali muitos anos, né, mas é daquele núcleo de intelectuais da PUC, né? A gente ficava assim… Imagina, reunião da AGP com aqueles caras, Eduardo Valadares, gente… A gente muito assim, vinte anos, vinte e poucos anos, assim: o que esses caras estão falando? (risos) Eu acho que é a mesma coisa pra gente que tem quarenta anos hoje, sentar numa roda com a molecada, a ocupação de escola e ficar falando para os caras o bagulho, se usando como autorreferência, deve ser horrível pra eles, os estudantes. “Porque na minha época a gente fazia…” E tem um monte de gente amargurada.

Entrevistadores: É mesmo?

Elaine Campos: O que eu encontro nas reuniões do MPL (Movimento Passe Livre) ano após ano, os antigos dos anos 2000 e sempre com aquela “Porque na nossa época a gente não deixava acontecer isso” (risos)

Entrevistadores: É, eu já ouvi…

Elaine Campos: Você já ouviu isso, né?

Entrevistadores: O passado é sempre maravilhoso…

Elaine Campos: Você tem quantos anos, desculpa te perguntar?

Entrevistadores: Eu tenho 37

Elaine Campos: É, você também não é novo, então, você sabe…

Entrevistadores: Mas eu já vi uns caras “Não, porque esse pessoal não sabe fazer fundo de ato” (risos)

Elaine Campos: “Olha, tá abandonado aqui”. “Essa molecada aí quer bater com a polícia, vamos apanhar muito” (risos). Às vezes, claro, a gente respeita muito a militância jovem e tudo, impulsiona elas, só que essa geração é uma geração que tem outro nível de informação, tem o celular na mão, elas podem ser pessoas que são pobres, periféricas, mas elas têm acesso a internet em qualquer lugar. Imagina, na nossa época a gente estava fazendo o que? Nos anos 2000… marcando aqui… Tinha um bagulho, que era tudo da gringa, que era marcar com giz no chão onde tinha ponto de internet na Paulista. Vocês lembram disso?

Entrevistadores: Sério? Nossa, não lembro!

Elaine Campos: Isso é muito coisa do CMI (Centro de Mídia Independente) (risos)! Sabe, era alguma coisa…marcar com um X, algum ponto na Paulista que tivesse internet livre, pra você acessar, então a galera não tinha nem…não era nem celular. Quem tivesse notebook e tal. Aí tinha um movimento na Europa ou nos Estados Unidos que galera fazia essas ações pra marcar um X onde tivesse internet, X com giz.

Entrevistadores: Olha, que legal! Você citou o CMI e eu queria aproveitar esse gancho. Como que foi o nascimento do CMI aqui no Brasil? Você participou do coletivo do CMI desde o começo?

Elaine Campos: Eu vi o CMI nascer, devo ter participado de uma reunião com o Toya, com o cara que era lá do CMI dos Estados Unidos que eu não vou lembrar o nome… Veio um cara do CMI dos estados unidos…

Entrevistadores: Não foi o Brad Will, de Nova York?

Elaine Campos: Não, o Brad vem bem depois. O Brad ficou na minha casa. Quando eu já morava aqui em São Paulo. Mas o outro cara que veio, era um cara da tecnologia, dessas bem hacker… E eu acho que ele tinha contato com o Pablo, que o Pablo morou nos Estados Unidos, então ele conheceu muita gente. Então ele veio pra cá, teve reunião na USP com ele, com a Toya, com o Pablo e mais umas pessoas… eu devo ter, eu acho que eu devo ter ido em uma das reuniões de construção do coletivo CMI-SP…

Entrevistadores: O Pietro tava nesse núcleo original ou não?

Elaine Campos: O Pietro era muito jovem, naquela época ele não tava ainda. Ele vai aparecendo depois, eu acho…

Entrevistadores: A Elisa também, nesse começo também não?

Elaine Campos: Pietro acho que aparece tipo em 2003. Eu lembrei disso porque eu estava. Falei: “Cara, preciso de um caderno pra anotar as coisas”. E aí eu peguei o meu caderno…peguei um caderno e fui olhar as coisas que eu anoto… E era uma reunião com a Cruz Negra Anarquista em 2003 e aí eu, em algum momento, a gente tá tirando aqui quem é que vai fazer as notas, as pesquisas… e a gente falou assim: “Ó: (muito engraçado isso aqui) Estamos especulando as seguintes pessoas: Silvio Shina [inaudível] que é um camarada meu, mas ele mora em Campinas, ele estuda na UNICAMP - se formou lá, tá lá ainda… O Pietro e o Pantoja, Alex Pantoja, é um camarada que fez parte da Comissão Legal, ele já era advogado. A comissão pro A20 reuniu advogados ativistas. Então era o Odir, o Alex Pantoja, a Andressa, que é lá do No Gods, No Masters que é um festival que acontece lá na Baixada. Eles eram os advogados formados que ajudavam a gente na Comissão Legal. E o Pietro tava colando…

Entrevistadores: Nessas assim, né? Mas o nascimento do CMI é 2000 ou 2001?

Elaine Campos: Eu acho que o nascimento do CMI é logo após o A20. Não! É logo após o Ação Global de Seattle, porque essa comunicação…eles disseram, né, quando vieram falar sobre o CMI, que o CMI nasce em 99, lá, e as manifestações começaram a ter essa construção tudo pela internet, lá nos Estados Unidos, que usavam tecnologias que ainda não eram tão acessíveis no Brasil, como bip, blogs na internet – no caso o CMI era uma espécie de jornal pra fazer a cobertura colaborativa dos protestos. Mandar mensagem de bip gente? Num é, essas coisas? É tipo analógico ainda, né? Que que é bip?

Entrevistadores: Mas essa primeira reunião aqui no Brasil é 2000?

Elaine Campos: É 2000. Talvez 2000 pra 2001, porque o S26 foi em que ano? O CMI Brasil nasceu 4 meses após o N30, ou seja, em março de 2000

Entrevistadores: S26 foi 2000, foi em setembro de 2000

Elaine Campos: É, eu tinha acabado de me mudar pra São Paulo, foi na Bolsa de Valores, né?

Entrevistadores: Você chegou a participar do S26?

Elaine Campos: Fui. Eu estava recém trabalhando na Bela Cintra, num escritório e eu morava numa casa coletiva na Saúde e eu estudava na Praça Roosevelt, naquela escola ali. E aí eu saí no meu horário de almoço pro ato na Bolsa de Valores. Falei: “Cara, eu vou correndo lá!” (risos). Fui correndo lá, cheguei e estava o maior pau, maior quebra-pau. Carro da (Rede) Globo balançando, bomba, todo mundo correndo. E aí veio um monte de amigos meus da época, uns meninos que eram da Baixada que estavam aqui, que foram presos na época, depois eu indico o nome se vocês quiserem entrevistar eles…que são da Cruz Negra, foram da ACR, da ULBS, todo mundo do mesmo rolê. E eu encontrei todo mundo no ato, peguei no braço de um e ele quase me bateu porque eles estavam correndo da polícia…e eu vendo todo mundo correndo e eu indo na contra-mão… e eu subindo toda de preto, né,… Aí eles estavam pegando todo mundo de preto.

Entrevistadores: Nossa!

Entrevistadores: É, naquela época a Polícia caçava…e não tinha a expressão Black Bloc naquela época, né?

Elaine Campos: A gente se autodenominava um Bloco Negro.

Entrevistadores: Ah é? Vocês já usavam essa expressão? Em português…

Elaine Campos: A gente não usava… eu acho que a gente não usava Black Bloc como nome. E a gente achava muito lúdico, assim. A gente tudo rolê punk, metal, anarquista… a gente sempre andava de preto. A gente ia pras manifestações, tipo assim, Parada Gay na Paulista, a gente conseguiu reunir umas 25 pessoas todas de preto naquela escadaria do banco central.

Entrevistadores: Mas quando vocês usavam o termo Bloco Negro já era em referência aos Black Blocs?

Elaine Campos: Era. Por causa de Seattle. Mas não que a gente fazia… a gente não entendia ainda direito… a gente entendia que eram anarquistas que faziam ação direta, que de fato era, mas a gente não entendia nada de como que isso nasceu.

Entrevistadores: Eu diria que Seattle foi um elemento muito importante pra essa geração. Foi um catalizador, assim…

Elaine Campos: Foi. Catalizador de expressões, ideias, de modelos de ação direta… Porque a gente sabia… entendia o que era ação direta já… se você é anarquista automaticamente conhece o termo. Tá aqui, ó, você já recebe isso como…você vai estudar os textos sobre ação direta. Seja a ação direta mais simbólica aos anarquistas expropriadores, enfim… Esses caras que são mais… até é distante da nossa realidade, acho que mais… Uruguai e Argentina têm muito anarquista expropriador. Acho que Argentina ainda mais. Teve uma galera da Argentina lá nos anos 2000… 2001 que é o panelaço, né?

Entrevistadores: Sim, Panelaço…

Elaine Campos: Imagina, eu fui pra lá em 99 também… Fui na virada do bagulho…

Entrevistadores: Ah, de recuperação de fábrica, essas coisas?

Elaine Campos: É… quando que foi o panelaço? Foi 2001?

Entrevistadores: Foi 2000 pra 2001, é… não, 2001 pra 2002, perdão.

Elaine Campos: Quando eu fui pra Argentina eu fui tocar. E eu fui porque…a banda que eu tocava, o Abuso Sonoro, a gente tinha contato com uma pessoa da Cruz Negra Anarquista da Argentina e ela que fez o rolê da gente, então a gente ficou trocando várias ideias sobre processos organizativos lá. Então a gente fazia coisas muito…banda era uma ferramenta política. A gente tocava porque gostava, fazia som porque gostava, mas pra gente tudo era ferramenta. Desde fazer um fanzine até tocar um show, organizar um show em solidariedade a Mumia Abu- Jamal. Um disco de vinil em solidariedade a Mumia Abu-Jamal. A gente fez um disco pro Mumia, com várias bandas pra arrecadar grana pra poder mandar coisas assim, tipo… material… lá pros Estados Unidos… era tudo muito miudinho, mas era tudo muito grande pra gente.

Entrevistadores: Aproveitando isso que você tocou, dos coletivos dos quais você fez parte, a AGP contribuiu pra estabelecer um contato com coletivos em outros países, assim, foi um canal pra isso?

Elaine Campos: Não. Eu não acredito que tenha sido porque a gente já tava com esse canal aberto.

Entrevistadores: Não foi via AGP, foi uma coisa anterior?

Elaine Campos: Não foi via AGP, foi anterior porque a gente já tinha essa coisa da troca de correspondência.

Entrevistadores: E quais eram os principais coletivos com os quais a ULBS se correspondia, você se lembra?

Elaine Campos: A ULBS, como tínhamos poucas pessoas que dominavam o inglês, nessa época. a gente tentava se corresponder mais com os grupos tipo da Europa, da Cruz Negra mesmo… depois aqui em São Paulo a própria Cruz Negra Anarquista continua o diálogo com as Cruz Negra de outros países, por correspondência, manda material. É que o Movimento Anarcopunk sempre teve uma…uma das grandes coisas do Movimento Anarcopunk foi a troca de correspondências e material físico. Tanto é que a ACR, que é o Anarquistas Contra o Racismo, nos anos 90 a gente fazia uma reunião aqui, você vai escrever um relatório dessa reunião. Você vai tirar 5 cópias e vai mandar numa carta pra 5 núcleos. Então todos os núcleos vão saber o que o núcleo de São Paulo está fazendo.

Entrevistadores: Então tinha essa preocupação de comunicação…

Elaine Campos: Hoje você faz uma ata e manda pra 200 pessoas, 500, sei lá, dependendo de onde você tá, tá tudo muito fácil. Então a gente… essas coisas de correspondência era mais… com os grupos que tinha mais afinidade com a gente e todos autônomos, a gente não… a Cruz Negra chegou a ser convidada pela Cruz Negra Ibérica, Federação das Cruz Negra Ibérica. Mas a gente começou a se tornar muito crítico dessa colonização. A gente tá na América Latina, cara. A gente já tava nessa de bater de frente, a gente não tinha as palavras certas pra denominar o que que a gente estava sentindo como sentimento latino-americano, a gente estava linkado com Chiapas, com os Zapatistas, mas a gente não estava ligado com os caras da Europa, tanto assim. Tanto é que a gente rejeitou o convite pra ser federado. A gente decidiu em reunião ser uma Cruz Negra Anarquista autônoma. Com os nossos princípios…porque a gente começou a perceber que, nas atas dos encontros federados era muito engessado. Os processos federativos sempre engessavam demais os grupos, e a gente não quis ser. A Argentina também não. E aí depois, os outros países que parece que tinha Cruz Negra também, da América Latina. A gente estava muito na vibe anti-colonização.

Entrevistadores: Mas você acha que essa colaboração internacional…ela contribuiu para as lutas anticapitalistas no Brasil?

Elaine Campos: Claro!

Entrevistadores: De que maneira?

Elaine Campos: A gente falou um pouco dessa experiência da Starhwak, né? Não vou dizer pra você que foi ruim. Foi ótimo! A gente entendeu outras linguagens, a gente recebeu outro tipo de conteúdo que a gente não tinha aqui, a gente renovou ideias, a gente aprendeu diversas formas de fazer política com outros tipos de ferramenta que tava no nosso meio, e a gente aproveitou isso pra poder, justamente, ter possibilidade de fazer a partir do nosso local. Claro, a gente rejeitava essa coisa de tipo: ah, alguém quer mandar no nosso grupo, como autônomo… porque o princípio da AGP se era ser uma organização descentralizada…nem uma organização se diziam, né?

Entrevistadores: Era uma ferramenta, né?

Elaine Campos: Era uma ferramenta de movimentação… teve os encontros em Cochabamba, que foi várias pessoas daqui…

Entrevistadores: Você foi pra Cochabamba? Ou não?

Elaine Campos: Muita coisa, eu não fui por conta de trabalho. Quando eu cheguei aqui, eu comecei a trabalhar e não consegui participar de nada fora da cidade, como o Fórum Social Mundial, eu não fui a nenhum FSM, mas um monte de gente que fez parte da Cruz Negra foi, participou das primeiras reuniões que formou o MPL, participou também das reuniões que fomentou mais o CMI Brasil. Então fomentou um pouco mais ali. O Fórum Social Mundial eu também considero os três primeiros anos extremamente importantes.

Entrevistadores: Deixa-me te fazer uma pergunta sobre essa questão que você falou de norte-sul global. Uma das questões do projeto global que são importantes, é saber se havia tensões dos movimentos do norte e do sul global e que tensões eram essas. Você citou a questão de uma tensão em relação a uma certa colonização e tal. Você diria que existiram essas tensões ou não, como que você classificaria?

Elaine Campos: Olha…na minha experiência em coletivos e morando mesmo em casas coletivas, a gente era muito jovem, sujeitos periféricos, e a gente tava começando a entender melhor isso. Eu saí de uma cidade extremamente pobre, São Gonçalo é uma cidade dormitório até hoje. Nascida e criada na periferia, venho morar em São Paulo em um contexto completamente de deslocamento mesmo, até de emprego, com pessoas das periferias daqui e a gente estava começando a entender esse sentimento de pertencimento, de ser um sujeito periférico. Quando a gente começa a entender isso melhor, até estava falando isso com o meu amigo… um amigo meu que também toca comigo, mas também fez parte de várias coisas dos anos 2000…Racionais, ele meio que foi, mesmo quando você não é de São Paulo, o Racionais ele fez com que você, em São Paulo, entendesse esse sentimento de pertencimento à periferia.

Entrevistadores: Uma identidade periférica, né?

(PAREI AQUI)

Elaine Campos: Identidade periférica e orgulho de ser periférico. Eu vou dizer que isso não dá pra ser pra todo mundo, mas aqui em São Paulo… no Rio de Janeiro já não sei mais dizer, assim, te dizer com toda a certeza… Eu posso chegar lá e falar assim para minhas sobrinhas…eu tenho sobrinhas de 20 anos…posso chegar pra elas assim: “Mas vocês não têm que ter vergonha de se sentir periférico, você não tem que ter vergonha, você tem que entrar”. Eu posso dizer tudo o que eu penso, mas elas nunca vão ter esse sentimento porque não está desperto. Elas ainda vão se sentir discriminadas, sabe, tudo isso. Aqui em São Paulo, Racionais fez um puta trabalho nesse sentido. E mesmo a gente sendo do Punk, a gente sempre ouviu rap. Porque se identificava politicamente. E aí eu falava, cara, pra mim, entender esse contexto e se tornar crítica disso, tem muito a ver com o Racionais também. E com o movimento Punk, porque o Anarcopunk, pra mim… O Punk é hoje muito também complexo e diverso… Falando como parte desse movimento até hoje, o movimento Anarcopunk era o mais periférico, mais negro e que tinha muitas mulheres. Não à toa eu fiz parte de um coletivo anarcofeminista quando eu morava em Santos, a ULBS eram, sei lá, sete homens e três mulheres… A gente fez o primeiro fanzine dentro do grupo só pra mulheres, anarcofeminista. Então essa coisa de pensar como que a gente passa a fazer uma crítica a essa questão, dialogar com essa coisa assim do colonialismo, o preconceito, o racismo, a xenofobia… se isso está presente e se isso foi um problema pra gente na época, né, que é mais ou menos isso que você tá querendo saber, na época isso demorou um pouco a ser problema. Mas ele passou a ser um problema.

Entrevistadores: Ele passou a ser problematizado, né?

Elaine Campos: Passou, passou a ser problematizado a partir dessas questões que eu to abordando: periferias, ser sujeito periférico, pertencer à periferia, ser mulheres pobres e periféricas, ter as minhas companheiras negras e indígenas no contexto anarcopunk e anarcofeminista. Isso passou a ser problematizado, como é que eles interferem tanto no nosso conhecimento e porque que são…porque que a gente achava tão importante nos anos 90 formar um coletivo chamado CAF? Coletivo Anarcofeminista, em 91? E elas terem os primeiros embasamentos anarcofeministas já na década de 90 de uma menina dos Estados Unidos…

Entrevistadores: A referência teórica vinha dos Estados Unidos.

Elaine Campos: Elas tinham o anarquismo clássico, como o CCS, tudo, elas também nascem ali, são aquelas meninas punk que saem dos anos 80 e querem se aproximar mais da política, do anarquismo, frequentam o CCS e fundam uma organização de mulheres anarcofeministas. Só que precisou vir uma mina anarcopunk dos Estados Unidos, começar a traduzir as coisas de lá pra elas e elas falarem: cara… A Ula (que é a menina), a Ula sempre foi um referencial pra gente.. Depois eu falo, bom, a Ula é fundamental. Mas a partir daí a gente começou a ver que a gente é latino-americana. A gente tem outras questões aqui, completamente diferentes.

Entrevistadores: A questão da luta de gênero, no meio libertário, ela começa a se colocar, da sua perspectiva, ela… quando você começa a participar da luta libertária, a questão de gênero já estava colocada ou isso foi uma coisa que foi crescendo?

Elaine Campos: Ela já estava colocada, já. Já, porque os anos 90 ele fortaleceu muito as mulheres que vão participar da AGP, eu mesma, em 97, 98 e 99, fizemos 3 encontros anarcofeministas em São Paulo, com gente de outros Estados, que formou uma rede anarcofeminista, que durou até 99. 2000 foi se dissolvendo, foi aí quando eu vim pra cá ela se dissolve, mas a gente já tinha muito embate.

Entrevistadores: Ou seja, não é algo que veio com a AGP, era uma coisa que já fazia parte do repertório de vocês, assim?

Elaine Campos: Eu não sei até que ponto… Eu lembrei hoje duma das coisas que aconteceu em 99, que deve estar no roteiro de vocês aí, que é aquele encontro de Belém do Pará, 99.

Entrevistadores: Sim, você participa desse encontro, ou não?

Elaine Campos: Todas as minhas amigas do coletivo, elas foram. Foram de ônibus pra lá, parece que saíram vários ônibus de São Paulo. Eu tava em Santos pra me mudar pra São Paulo, tava naquele contexto de me mudar, não fui. Mas elas foram pra lá e parece que tinha essa coisa muito autônoma e ao mesmo tempo muito institucional.

Entrevistadores: Isso era a próxima pergunta que eu ia te fazer, se tinha diferenças de cultura política entre os coletivos autônomos dos movimentos mais tradicionais que, de alguma forma, fizeram parte da AGP ou dessa cultura política aqui no Brasil?

Elaine Campos: Tinha. Tinha muita gente mais institucionalizada, né, acho que o próprio ICAL assim, foi muito importante, enquanto espaço, porque tipo… acho que nosso movimento sempre teve essa carência de espaço físico pra poder se auto- organizar, até mesmo autonomamente… tipo, hoje você tem a Casa Mafalda. A Casa Mafalda não, a Casa da Lagartixa [Preta], que tá, sei lá, mais de dez anos, mas, assim, antes disso, não tinha um ponto de referência, então o ICAL foi extremamente importante por ser um espaço físico pra gente poder fazer as reuniões lá. A gente chegou a fazer reuniões em outros lugares, aqui, mas era esse contexto: extremamente acadêmicos, não é à toa que as reuniões pra fazer as primeiras ações pra poder movimentar e criar o A20 foi tudo na USP. Uma semana inteira, com mapa e lindo maravilhoso, tudo dentro da USP. Esse trabalho de base na periferia, é só anarcopunk que estava fazendo. O Felipe ele escreve uma coisa também que eu fiquei meio que pensando: mano, acho que o Felipe deu uma… Ele tentou incluir tudo isso como AGP e não é AGP. Não fazendo crítica ao companheiro, ele é um cara muito fundamental aí em muitas questões. Eu tinha colocado isso porque eu fiquei pensando… Esse ano fez 19 anos da morte do Edson Neri. Naquele texto, logo no começo, ele vai chamar fevereiro antifascista… ele não usa esse nome, mas ele vai falar assim: nos anos 2001, e não foi, foi 2000. Edson Neri foi assassinado em 2000, fevereiro de 2000. E naquele contexto o movimento anarcopunk já estava muito na luta antifascista, tinha muita questão dos anos 90 pra 2000, com skinheads em São Paulo. E tanto a ACR quanto o MAP faziam dossiês pra mapear os skinheads daqui.

Entrevistadores: E isso não era AGP, isso era luta cotidiana libertária, né?

Elaine Campos: Isso era dos coletivos autônomos daqui. Então, ah, o Anarquistas Contra o Racismo e o MAP faziam esses dossiês de mapeamento de grupos de intolerância racial, skinheads, Carecas do Brasil… todos esses dossiês, com muito conteúdo, eram sempre encaminhados pra comissão de direitos humanos municipal, tinha ainda uns canais abertos tipo o movimento negro… porque, imagina, iam lá no Geledés, quando tinha, que é o grupo Geledés ou a Unegro Esses grupos aí que já existiam… um monte de anarcopunk cheio de rebite, moicano, chegava lá a galera falava assim…

Entrevistadores: Que porra é essa? (risos)

Elaine Campos: Sentava na mesa e trocava a maior ideia, era muito bem recebido. Quando o Edson Neri é assassinado, o ACR, o MAP, vai fazer reunião com o movimento negro e movimento LGBT e nesse contexto aí fazem o fevereiro antifascista no dia logo que… na semana que… na praça da República. Então isso não tem nada a ver com AGP. Não tem nada a ver. Isso era nossa luta cotidiana como movimento libertário. Ele coloca ali como 2001 - não, 2001 já tinha sido o segundo ano. Tanto é que eu participei muito… Eu tenho participado todos os anos da jornada, que passou a se chamar mais Jornada Antifascista. A gente acabou de fazer a jornada antifascista, até fiz uma pequena exposição de todas as fotos que eu fotografei de 2013, pra frente. Todo o meu acervo foi assim…que eu fotografei de jornada em fevereiro? Eu fui pegando, fiz um… até tem um Instagram que eu ponho minhas fotos. Aí peguei, fiz uma linha do tempo lá, pus no Instagram, imprimi e levei lá na jornada. Então, assim, a gente não tinha nada a ver com a AGP. A gente podia ta fazendo reuniões pra AGP, mas isso era nosso… nossa luta cotidiana.

Entrevistadores: Mas há uma identificação, isso que é interessante, há um reconhecimento naquela pauta: ó, esses caras tão falando a mesma coisa, isso tem a ver com a gente… por isso tem essa aproximação?

Elaine Campos: Não, eu acho que não tinha essa…porque, assim, quando reúne a AGP no ICAL que eu acho que vai construir o A20, a gente já estava há muito tempo fazendo coisas, como as mobilizações do caso do Edson Neris. Aquilo ali foi um chamado assim, você quer ir? Quer ir, ô Márcio [Entrevistador], lá na reunião do ICAL, a gente vai fazer…e você já era do MAP, você já era da Cruz Negra, você já era da ACR, você já era de uma ocupação…então vocês já eram pessoas que a gente se conectava e que podia estar ali e podia colaborar na construção dessa Ação Global

Entrevistadores: Pelo que você conta, a impressão que me dá é que a Ação Global dos Povos foi uma porta para pessoas que não estavam, que não militavam no movimento libertário e que de repente descobriram nos dias de Ação Global uma nova experiência, você acha que é isso?

Elaine Campos: Eu também acredito que, pensando assim hoje, fazendo essa discussão assim, vai refrescando a memória… Tinha muito agente jovem que não tinha contato nenhum, às vezes foi numa manifestação, achou legal, aí começou a procurar lugares para ir buscar informações sobre militância, da mesma forma que a gente foi no CCS. A gente era libertário, tudo, mas não sabia onde buscar material. E eu acho que essa galera começou a se reunir, conhecer… Ou eu posso ser mais velha e conheço uma menina mais nova e: “Oi, quer ir na reunião sobre anarcofeminismo?” E aí eu to no ICAL… A gente vai fazer no ICAL e é ali que é a porta de entrada da AGP.

Entrevistadores: Parece que é um momento de expansão, né, um esforço. E aí, aproveitando pra te fazer uma pergunta sobre essa autoreflexão assim, né, a gente usou diferentes termos aqui pra falar de coisas parecidas, a gente falou de anarquismo, de movimento libertário, falou de movimentos autônomos. Pra você, essas coisas são a mesma coisa ou são coisas diferentes?

Elaine Campos: Movimento libertário e movimento anarquista, você fala?

Entrevistadores: E autonomismo…

Elaine Campos: Não. Depois eu fui entender melhor que quando a gente usava… no contexto anarquista, a palavra autonomia, autonomista, ser autônomo, um movimento, um grupo autônomo, sempre esteve presente como referencial organizativo. Eu vejo muita gente hoje escrever sobre autonomistas: “Ah, porque as minas autonomistas” …até no movimento feminista isso é muito comum. Ah, todo 8 de março, todo ano se constrói com, sei lá, 90, 100 pessoas na reunião do sindicato dos bancários. Você chega lá, tem: as da CUT, as do PT, as da Marcha Mundial das Mulheres, as do Pão e Rosas, as do PSTU e as minas anarquistas. Essas são tidas pelos movimentos mais institucionalizados como as autonomistas. “Ah, porque as autonomistas”. Eu não diria que elas são autonomistas. Eu diria que elas são anarquistas, e pra essa galera mais institucionalizada elas são autonomistas…tudo o que é anarquista ou libertário é autonomista. E libertário pra mim também é uma palavra muito…Qualquer um hoje se diz libertário. Até uma professora acadêmica que estuda movimento anarquista pode ser considerada libertária porque estuda…eu conheço a Margareth Rago há muitos anos, muitos anos. Já fiz mesa de debate com ela, como ouvinte dela… A Margareth mesmo fala que ela se aproximou do CCS porque ela estava estudando esse caso.

Entrevistadores: Sim, ela não era uma militante anarquista

Elaine Campos: Ela não era uma militante, ela era estudante. Então, assim, ela é reconhecida como: Ah, uma professora acadêmica e anarquista, mas porque ela acabou… tá muito dentro, né, também. Acho que quando está dentro do seu objeto de pesquisa, você…

Entrevistadores: É, você acaba se envolvendo…

Elaine Campos: Quando me formei em sociologia, ali pela ESP, Escola de Sociologia e Política, quando eu fui começar a desenhar o meu projeto de pesquisa, os primeiros projetos, eu queria estudar o feminismo autônomo. Que é um outro… se vocês quiserem fazer um recorte em algum momento, o feminismo autônomo ele tem um…ele é uma coisa que se desloca, completamente diferente de anarcofeminismo, completamente diferente de feminismo institucional.

Entrevistadores: Ou seja, já não é anarquismo, é outra coisa?

Elaine Campos: Engloba as anarcofeministas, mas não são anarquistas. Tem marxistas, tem principalmente pessoas que são mais da linha horizontal, marxistas materialistas, e tal… mas elas rompem com o feminismo institucional.

Entrevistadores: Você acha que comporta até um… a gente não tem muito essa tradição aqui no Brasil, mas um certo liberalismo de esquerda mais radical?

Elaine Campos: O que, o feminismo autônomo?

Entrevistadores: É, isso… Tipo, como você tem um liberalismo de esquerda nos Estados Unidos, por exemplo… não seria essa uma outra colonização?

Elaine Campos: Não, muito pelo contrário. O feminismo, abrindo umas aspas nesse contexto de autonomia, o feminismo autônomo ele surge… assim, existe uma coisa que acontece…a cada 5 anos chamado encontro feminista latinoamericano e caribenho. Isso acontece a cada 5 anos em um país daqui do sul global. No ano de 1996, foi feita a primeira declaração do feminismo autônomo em Cartagena, Chile. O que aconteceu? Teve um encontro aqui em 1985, em Bertioga, e depois teve encontro em 2005 aqui, só que com a chegada das agências internacionais financiadoras, ou ONU, ou organizações de financiamento das organizações não governamentais… Eu trabalho numa e é uma organização feminista. Elas têm muita crítica a esse agenciamento da pauta e da agenda internacional. Porque, assim, você faz um projeto sobre violência contra a mulher, só que uma agência lá da Alemanha vai dizer pra você o que você tem que fazer. Então você tem que meio maquiar pra fazer o bagulho aqui acontecer. Senão não te financiam. Isso é uma crítica muito grande. E mesmo assim, as autonomistas ainda olham organizações como as que eu trabalho como “institucionalizando as pautas”. E a organização em que eu trabalho, ela é extremamente…é marxista, anticapitalista, tal. Só que elas nunca vão ver o feminismo autônomo como liberal porque elas veem como anarquista. Porque a carta-declaração de Cartagena em 1996 foi uma ruptura com a institucionalização dos feminismos, é com esse encontro internacional, caribenho, porque elas não aguentavam mais estar ali num contexto de: “Ah, as instituições internacionais vem aqui e mandam na gente!” Então… são as mulheres da Bolívia, são indígenas…

Entrevistadores: Que inclusive participam da AGP, não é?

Elaine Campos: Sim, o Mujeres Creando. Eu tinha correspondência com o Mujeres Creando e elas me mandaram, na época, em 97, um livro, que é um… Elas fizeram um livro que é como se fosse o documento do encontro, com tudo, todos os textos, todas as fotos, tudo.

Entrevistadores: Que teve um encontro feminista da AGP, num teve? Foi esse que foi na Bolívia?

Elaine Campos: Não, acho que não… talvez tenha tido paralelos, assim. O que aconteceu depois dessas rupturas das feministas autônomas, nasceu o Encontro Feminista Autônomo Latino Americano e Caribenho. Que é esse aí, que é aconteceu na Bolívia, que aconteceu… eu participei só de um, que foi em 20122, talvez, que foi em Porto Alegre. Foi a primeira vez que aconteceu no Brasil, aí vieram mulheres da… sei lá…Chile, Bolívia, Argentina, Venezuela, as mulheres que estão na Nicarágua. Tanto é que várias discussões lá que passam pelo autonomismo e segurança, a gente tava já super incorporadas. Talvez aí já é um diálogo com as coisas do passado.

Entrevistadores: Mas, assim, pensando nessa experiência do feminismo autônomo, você acha que faz sentido falar numa linha política chamada autonomismo que seria diferente do anarquismo ou na sua opinião é a mesma coisa?

Elaine Campos: Eu acho que são bem diferentes…

Entrevistadores: Como você definiria o autonomismo?

Elaine Campos: Assim, tem grupos autonomistas que se declaram autonomistas, e tem pessoas que são autonomistas. Eu conheci, no contexto…eu vou falar do contexto anarquista que é o que eu conheço mais porque eu sei que tem autonomistas que são de esquerda, marxistas, enfim. Dos grupos, das pessoas que eu conheci tinha muita gente autonomista que até dialogava com o anarquismo, mas não se diziam anarquistas. E essa tradição autonomista que passa muito ali pela… pelo Uruguai, a gente teve um pouco de contato por conta desse diálogo com a Cruz Negra. Mas, eu acho, é difícil mesclar as duas coisas num pacote só. O Movimento Anarquista ou os grupos anarquistas eles têm pautas muito específicas e que vão dialogar sempre com princípios anarquistas. E eu acho que o que atrai muito autonomismo no anarquismo é porque muitas pessoas são autonomistas de grupos autonomistas e eles dialogam muito com o anarquismo nesses princípios. Mas como eu não tive em nenhum grupo autonomista, de fato, eu não consigo te responder como é que é essa auto organização.

Entrevistadores: Você se reivindica anarquista?

Elaine Campos: Eu me reivindico anarquista.

Entrevistadores: E, deixa eu perguntar uma coisa. Elaine. Nas atividades da AGP, a questão de classe era uma questão ou não? Era um tema presente?

Elaine Campos: Se era um tema presente, assim que a gente pudesse dizer assim: olha, gente, isso aí tá acontecendo porque vocês são uspianos e pá…

Entrevistadores: É, exatamente, é.

Elaine Campos: Que eu tenha isso na memória, não. Tanto é que só a partir de 2003, quando já aconteceu tudo, né, pelo mapa que eu fui fazendo aqui… cadê, ó… AGP aqui, ó. Que eu fui colocando datas, assim, sei lá, 99, aí pus todos os… 2001, 2002, 2003 já começa a entrar a questão da luta contra o aumento, que é em Salvador. Salvador, né? Nessa época a gente… eu já estava pós-A20, que já estava fazendo um ano em 2002, aí 2003 vem luta contra o aumento em Salvador, encontro de rádios autônomas, né…

Entrevistadores: Já não é mais AGP, né?

Elaine Campos: Eram pessoas que saíram da AGP, já eram esses tentáculos da AGP, né? Essa coisa que pulveriza, assim, né?

Entrevistadores: Legal você falar isso. Eu queria, só pra gente organizar o depoimento…você acha que é possível identificar um momento em que as mobilizações em torno da AGP no Brasil acabam?

Elaine Campos: Eu acho que ela começa meio que perder forças como AGP mesmo a partir desses anos 2002, 2003, porque começam a acontecer outras coisas. Tanto é que uma das coisas que acontece é um encontro autônomo. Eu não fui em nenhum nesses encontros, eu já estava saturada. Acho que a AGP também satura muita gente, esgota, começa a ter esse contexto de classe, começa a ter esse contexto tipo assim: cara, eu to em 2003, eu só tenho ensino médio, essa galera toda formada…eu começo a fazer uma crítica a isso para falar das pessoas com quem eu vivia - não tinha ninguém, ninguém na faculdade, ninguém. Das pessoas com quem eu morava todo mundo era só trabalhador, proletariado. Então a gente começa a ficar esgotado porque a gente começa a perceber assim: “Pô, essas pessoas querem muito reconhecimento e a gente vira massa de manobra.”

Entrevistadores: É, e vocês trabalhavam também, né, não dava pra participar tanto assim…

Elaine Campos: A gente não era estudante que estava fazendo determinadas coisas que podiam ter um diálogo com a universidade e a porta estava aberta. Tipo, pô, o Rodrigo é um cara também super acadêmico…eu até fui num encontro de educação libertária na USP, que aconteceu na Faculdade de Educação de lá. Não é o primeiro. Quem faz um encontro de Educação Libertária dentro da USP, gente? Quem tem portas abertas dentro da USP. Professores, alunos, a Eliane deu aula… então, assim, a gente começa a pensar muito nesse campo de forças, que isso era muito desigual.

Entrevistadores: Dentro mesmo dos próprios coletivos…

Elaine Campos: Da estrutura autônoma e que se dizia horizontal… Eu acho que essa galera tipo…a experiência das ocupações de escola, da retomada do MPL, pode trazer muito isso, assim. A relação de recorte de raça, classe e gênero. Quem ocupou a escola a maioria foi menina. Isso não aparece. Isso não aparece se as feministas não estiverem fazendo isso, falando isso, não aparece se elas estiverem escrevendo sobre isso, não aparece se elas estiverem filmando isso.

Entrevistadores: Até eu diria que na cobertura da grande mídia, das ocupações você via que eram as meninas estavam…na cabeça das escolas, tal…

Elaine Campos: Tem aquele: Lute como uma menina…

Entrevistadores: Lute como uma garota, né?

Elaine Campos: Que é um… Eu fiz parte da organização de um festival do filme anarquista e Punk de São Paulo. Em 5 edições. E a gente convidou os dois que fizeram esse filme, lá, uma mina e um cara. Pessoas nada a ver, assim. Pessoas que se identificaram com a aquela luta, eram estudantes de cinema ou formados em cinema e aí foram gravar e depois eles estavam em tudo. O cara tá em tudo, que eu sempre trombo com ele. E aí ele vai falar sobre isso, tipo assim: cara, eu acho que eu passei a prestar mais atenção quando isso apareceu na mídia, mas eu queria saber como é que era de dentro. Então eu fui lá na porta da escola e pedi pra fazer essa gravação com elas.

Entrevistadores: Aproveitando isso, que você está falando das meninas, você falou das questões de diferenças de classe no interior dos próprios coletivos que faziam parte da AGP. Você acha que existia também uma diferença de gênero, assim, as mulheres estavam sub-representadas ou não, ou isso tinha uma igualdade, assim?

Elaine Campos: A gente poderia até não estar sub-representadas porque a gente estava muito organizadas. Nos anos 2001, mesmo junto com as meninas do CMI, que eram do CMI, a gente formou um grupo que era pra discutir fazer um servidor de mulheres…em 2000, 2001. Um servidor de mulheres, aprender a mexer com tecnologia, a gente estava muito organizada. Tinha muito auto-organização das mulheres dentro dos coletivos. Porém, isso acaba sendo invisível quando você pensa em quem é que tá sendo o interlocutor? Pablo é um. Como é que mata uma pessoa politicamente? Tornando-a invisível. Como que o movimento, de um modo em geral, seja ele anarquista, seja ele de esquerda, invisibiliza alguma coisa? Não falando sobre essa coisa. Não falando sobre mulheres, não falando. Então eu acho que o papel fundamental das mulheres dentro desses movimentos é elas mesmas começarem a dar voz pra si mesmas. Então, tomar a frente, fazer críticas, se mobilizar. Eu acho que sub-representado pelo coletivo, não, mas pelas pessoas, assim, de prestar atenção nisso, eu acho que sim.

Entrevistadores: Mas a questão de gênero tava presente?

Elaine Campos: Estava presente porque a gente estava metendo a boca, já. Não à toa esse encontro contra o neoliberalismo pela humanidade, contra o liberalismo, em 99, as mulheres do coletivo que eu participava, que era uma rede anarcofeminista, elas sobem na mesa de debate, sai em todos os jornais lá de…

Entrevistadores: de Belém…

Elaine Campos: Elas subiram e fizeram uma performance, porque a mesa só tinha uma mina e elas começaram…pegaram o microfone e começaram a falar. Foi o maior bafafá. Então, assim, qualquer coisa que expressasse invizibilização das mulheres, militantes, a gente tinha muito essa coisa da ação direta, de tomar conta, subir, pegar o microfone e falar…tinha muito isso.

Entrevistadores: Agora, pra gente partir já pra fechar a entrevista, a gente busca sempre perguntar pra os próprios militantes a avaliação que eles fazem da experiência de ter participado da AGP. Então, assim, na sua opinião, o que a AGP fez de melhor?

Elaine Campos: Eu acho que a AGP enquanto essa ferramenta de auto- organização, o que ela fez de melhor pra gente que estava num contexto político de uma conjuntura política do final dos anos 90, 2000, onde a gente está lidando com temas que a gente talvez nem dominasse tanto, foi reorganizar isso, de maneira mais facilitadora. Acho que a AGP ela facilitou o nosso entendimento sobre Área de Livre Comércio das Américas…acho que, uma das coisas que eu até tinha anotado aqui, que foi…tinha uma entrevista da minha coordenadora, que era da Marcha Mundial das Mulheres, e ela vai falar da presença da Marcha Mundial das Mulheres no Fórum Social Mundial e o que ela fala mesmo?… Ela fala sobre as alianças com as redes latino-americanas a partir do primeiro Fórum Social Mundial. E a gente no contexto de AGP também vai fazer esse papel de participar de comitês autônomos, grupos de afinidade e, através das lutas conjuntas contra a ALCA. A AGP ela meio que nos conecta de novo com essa realidade na América Latina.

Entrevistadores: De certa forma ela globaliza a resistência?

Elaine Campos: Exatamente. Por isso que o lema era esse. Era… Globalizemos a resistência? Mas tinha alguma coisa antes… Então a gente passa a ter essa conexão conjunta com luta contra a ALCA, contra a OMC, a gente tem um paralelo ali entre 2002… dois mil e… quando foi o ataque do Afeganistão, mesmo?

Entrevistadores: 2001, né? Não! Porque tem o 11 de setembro e aí os Estados Unidos lançam o ataque ao Afeganistão…

Elaine Campos: Novembro?

Entrevistadores: É, novembro, por aí

Elaine Campos: tem uma pausa…

Entrevistadores: Tá. Naquele momento tem uma pausa.

Elaine Campos: Há enquanto AGP, mas enquanto mobilização, não. Todas aquelas pessoas que estavam envolvidas em coletivos que saíram da AGP inclusive, vão fazer manifestações autônomas, tanto é que a manifestação contra a guerra, que a gente fez aqui, a gente fez o PSTU baixar a bandeira. Lotada a Paulista. Se vocês precisarem de fotos, não sei se vocês vão usar como recurso visual, eu tenho fotos da época, dá pra scanear. Tenho fotos do ato contra a guerra, que a gente deitou todo mundo no chão…

Entrevistadores: Aquele de 2003?

Elaine Campos: É, em frente ao Safra. Tem, porque um dos meninos que morava comigo fotografou e deixou os álbuns comigo. Ele não mora aqui mais, mas ele deixou várias coisas comigo. Então, assim, eu acho que… fechando isso, tem essa coisa de restabelecer um contato com a América Latina enquanto possibilidade de alianças de novo, né, que eu acho que quem tá no contexto dos anos 90 já é mais velho que a gente naquela época, estava também em baixa… A gente estava…FHC [Fernando Henrique Cardoso], nos anos 90… Algumas pessoas chamam de década morta, né? Num é, cara, estava todo mundo desesperado se mobilizando nos anos 90, mas a gente passa a ter mais alianças. Acho que foi importante, sim.

Entrevistadores: E, na sua opinião, quais foram os principais desafios enfrentados pela AGP?

Elaine Campos: Os principais desafios eram como lidar com um movimento mais institucional ou partidário. Porque a gente tinha uma vibe tão tipo… anti- institucional, anti hierárquica, anti essa ideia de grupos mais liberais enfrentando isso que a gente tinha dificuldade muito de lidar com manifestações onde tivesse bandeira de partido…ainda eu vejo um monte de jovens falando assim: “Ah, o que estão essas mina aqui do PSTU?” Aí eu fico assim… cara, a gente já brigou muito. Tanto é que dentro da AGP tinha um Estratégia Revolucionária que queima o filme dos anarquistas no jornalzinho deles, depois do ato da bolsa de valores…que quem foi a bucha de canhão daquele ato? Os anarquistas. Tá no jornal deles, Estratégia Revolucionária. E aí o que a gente fez na outra reunião, seguinte? Expulsou os Estratégia Revolucionária.

Entrevistadores: Mas eles voltaram depois, né?

Elaine Campos: Pra AGP? Se voltaram com pessoas que não eram do Estratégia. Porque eu não lembro… Eu lembro de uma reunião no ICAL, se não me engano foi no ICAL, que a gente falou: cara… Era o Leo, que hoje é do PT, né? Nossa, a gente tretou muito com ele. Até hoje eu tenho essa lembrança que eu vejo gente com coisa do Estratégia Revolucionária e eu fico assim [inaudível]. Ainda existe, né?

Entrevistadores: Existe, existe…

Elaine Campos: Gente muito com bandeira, né?

Entrevistadores: Eles são muito ativos nas universidades

Elaine Campos: [inaudível]

Entrevistadores: Mas eles mudaram de nome agora.

Elaine Campos: Mudaram, né?

Entrevistadores: Mudaram…

Elaine Campos: É LSR?

Entrevistadores: Que começaram a descobrir, então…

Entrevistadores: MRT - Movimento Revolucionário dos Trabalhadores, uma coisa assim, não lembro…mas eles mudaram de nome…

Elaine Campos: Pão e Rosas, estou olhando aqui (risos) era desse rolê?

Entrevistadores: O Pão e Rosas eu não sei… sei que eles são marxistas, mas num sei se eles são…

Elaine Campos: Elas são marxistas que se juntam com o PSTU… porque assim, ó, minha experiência enquanto militante feminista e anarquista na construção do 8 de março - esse ano eu não consegui participar das reuniões, depois eu falei, ah, nem vou mais, porque as mulheres do meu trabalho chegavam no dia seguinte… Elas vão, constroem o 8 de março, enquanto Marcha Mundial das Mulheres e é muita treta porque… A Marcha Mundial das Mulheres, só pra vocês entenderem, vocês não precisam usar isso… Nasce em 2000, do Pão e Rosas do Canadá. Só que elas fazem um chamado depois para adesão internacional. E a organização que eu trabalho que é a SOF (Sempreviva Organização Feminista) adere ao chamado e passa a ser parte da coordenação nacional da Marcha, que tem núcleos no Brasil inteiro. Como as de São Paulo muitas são do PT, nem todas são petistas, mas muitas são do PT, a Marcha é vista como petista. Até porque defende o Lula Livre e pá. São as pautas gerais.

Entrevistadores: E tá vinculado aos movimentos ligados ao PT…

Elaine Campos: Gente, a Frente Brasil Popular…

Entrevistadores: Eu mesmo tenho essa imagem.

Elaine Campos: Todo mundo tem…mas a Marcha Mundial das Mulheres em várias partes do mundo tem anarquistas. Eu não sou organicamente da Marcha, mas, eu estou na Marcha, eu trabalho com elas, eu faço muitas fotos da Marcha nas manifestações…

Entrevistadores: Vc trabalha com a Nalu?

Elaine Campos: Eu trabalho com a Nalu

Entrevistadores: Eu conheço a Nalu…

Elaine Campos: Trabalho com a Mírian… não sei se vocês vão entrevistar, a Júlia Di giovanni3

Entrevistadores: Ah, a Júlia! A Júlia eu conheço a dissertação dela, de mestrado. Mas ela participou da AGP ou não?

Elaine Campos: Então, a Júlia eu acho que ela pega esse finalzinho de manifestações da Ação Global mas ela sempre teve muito diálogo com isso. Porque ela tava naquela galera da ATTAC.

Entrevistadores: Ah, ela era do ATTAC

Elaine Campos: Que se reunia lá no prédio do Fórum Social Mundial…Ação Educativa! Ela não estava na AGP, mas ela dialogou muito com essa galera. E depois a gente trabalhou juntas e ela é muito amiga.

Entrevistadores: Deixa eu perguntar uma coisa aqui: na sua opinião, quais foram as maiores fraquezas da AGP?

Elaine Campos: Maiores fraquezas… Que difícil essa pergunta…

Entrevistadores: É uma pergunta que o projeto tá fazendo pra todo mundo, né, pra tentar fazer essa avaliação, né?

Elaine Campos: Pra entender, né? Cara eu não sei dizer quais são as fraquezas… Eu acho que se houvesse humildade de muitos acadêmicos que fizeram parte desse rolê, porque eu acho difícil ter uma humildade de reconhecer, eu acho que uma das fraquezas é não dialogar de fato com bases, as bases, sabe? É tipo… quando eu to no contexto lá de Santos, a gente se metia em várias coisas nos bairros que a gente estava, a gente queria fazer uma biblioteca lá em São Vicente, a gente se meteu com o núcleo da reforma agrária de Santos, a gente ia nos bairros de lá fazer atividade… Isso a gente estava na saída da boca do metrô Vila Madalena, ICAL onde a AGP se reunia, gente. Acho que enquanto se falou tanto como ferramenta de organização, pra fazer coisas como frear esse capitalismo global, a Organização Mundial do Comércio… a gente, teoricamente, barrou a ALCA, né? Querendo ou não foi uma vitória. Mas a gente tava dialogando com quem, gente?

Entrevistadores: Essa, na sua opinião é uma questão, né?

Elaine Campos: Eu acho que é uma questão. Eu não diria fraqueza, eu diria que é uma questão fundamental que foi questionada pelo Mano Brown aí nas últimas eleições, todo mundo caiu matando nele, inclusive a arrogância do próprio Partido dos Trabalhadores. As mulheres que trabalham comigo, a Nalu, que são tudo do PT, da história, elas são extremamente críticas a várias coisas do PT, mas elas não são escutadas…elas sempre promoveram ações e sempre estiveram fazendo trabalho de base.

Entrevistadores: Elas não têm espaço, né, no Partido.

Elaine Campos: Elas podem ser históricas, estar em tudo, todos os debates, estavam ontem lá naquele Congresso Nacional do Lula Livre como Marcha, como petistas e tal, mas elas podem bater de frente, mas você acha, gente? Votaram na Dilma, elegeram a Dilma, mas elas não eram do mesmo grupo da Dilma. Imagina, inclusive fez cada coisa, meu, que elas ficavam de cabelo em pé. Vocês já devem ter ouvido a Nalu, falar muito, lógico que…

Entrevistadores: É que eu trabalhei no Brasil de Fato, e a Nalu, era do conselho e tal…

Elaine Campos: Imagina os quebra-pau lá dentro?

Entrevistadores: Bom, você acha que a AGP deixou um legado?

Elaine Campos: Sim, a AGP deixou um baita legado. Sobretudo como instrumento global de comunicação e coordenação, pois ajudou a construir alternativas de luta contra formas não-democráticas organizações. Possibilitou dar significado a muitas coisas que já faziamos em outras lugares, criou alianças e construiu uma memória de movimento horizontal e anti-hierarquico, num momento em que nos faltava espaços auto-organizados. Deixou um legado, eu acho que deixou um legado pra quem tem interesse…eu, uma coisa que eu só fui dialogar quando eu comecei a mexer com fotografia de fato. Eu fazia fotos do grupo de Santos com camerazinha de filme. Eu só fui ter câmera, minha mesmo, nos começo dos anos 2010. Ou seja, fui comprar minha primeira câmera que é a única que eu tenho, profissional, em 2010 e fui para a Marcha Mundial das Mulheres…fez uma Ação 2010, uma ação internacional que acontece a cada 5 anos…Ela fez uma ação em 2010 que foram 10 dias vindo de Campinas a São Paulo marchando mesmo, na estrada. A gente foi parando em cada cidade fazendo atividades locais e foi quando eu tive câmera. E aí foi quando eu comecei a pensar mais sobre memória fotográfica. Os movimentos têm essa dificuldade de lidar com a memória. Seja ela por escrita, seja ela oral, ou visual. E eu acho que esse legado que se tem da [AGP]… que eu sinto falta é de ter isso realmente disponível também, né, pra poder… as pessoas poderem ter acesso. Porém falta uma parcela da juventude ter interesse também na história. E como fazer essa galera ter interesse e respeitar a história dos outros? Por exemplo, a gente que…eu que frequentei muito a União de Mulheres e frequento até hoje. Imagina, as primeiras reuniões anarcofeministas foram na União de Mulheres. E elas são históricas e pra mim elas são minha referência. Elas não são anarquistas, mas elas sempre respeitaram as anarquistas, então, assim, eu respeito as discussões sobre ancestralidade, memória, história. As mais velhas, as…é que eu sempre falo assim: “Quem pavimentou isso aí pra eu chegar se ferrou muito”. E muita juventude não tá nem aí, cara, pra memória. Nem respeitar a memória e nem respeitar os (inaudível). Não que eu queira que ninguém venha assim: “Ah, a Elaine!” Mas…vocês são da história, então vocês ouvem isso com frequência. Acho que vira até um tema difícil pra muita gente que tem 60 anos e militou a vida inteira e ninguém… Eu vejo nos últimos anos muita arrogância, cara. Molecada muito arrogante.

Entrevistadores: Achar que tá inventando a roda, né?

Elaine Campos: Eu fico assim, ó. Fui pra feira do livro anarquista, lá… já fiz uma roda de conversa… fui convidada como palestrante… eu não fui sozinha. Eu levei um monte de mulher da minha época. Então a gente fez uma roda com elas, não era eu mais. Falei: “Não, espera aí, então vamos chamar a fulana, a beltrana e cicrana, porque vocês precisam saber que tiveram outras também. Então, assim, a gente sempre fala: “Cara, vamos pensar sobre isso”. E a gente mesmo como anarcofeminista a gente tá há anos discutindo, escrever um…Mas vai ser lançado um documentário, em breve. Sobre a história…meio moral, né, mas é audiovisual do movimento anarcopunk e a menina que tá fazendo foi do MAP, foi da UMP, talvez esteve na AGP e ela vai começar pelas mulheres do movimento anarcopunk.

Entrevistadores: Ela tá começando esse trabalho?

Elaine Campos: já finalizou, mas ela vai lançar, tipo assim, vão ser vários vídeos. Ela vai começar como… Ela falou: a melhor coisa que eu escolhi foi começar pelas mulheres. E aí a gente tá tentando fazer uma mostra, quando ela chegar aqui. Ela tá morando fora. Ela foi, mas ela é dessas pessoas que viajam… vai captando vídeo. Ela tá finalizando com entrevistas. Quanto estiver pronto isso e se for lançar a gente vai lançar em São Paulo. Aí aviso pra vocês. Tem muito material, vídeo da época, dos anos 90…

Entrevistadores: Você acha que a AGP influenciou mobilizações posteriores no Brasil?

Elaine Campos: Depois de 2003, 2004, eu comecei a pensar muito nesse contexto. Cara, eu estou ficando pra trás, a galera está tudo formada… começou a cair a ficha, assim. Bater aquele negócio: eu comecei a me afastar de muita coisa. A Cruz Negra meio deu uma declinada em 2004, 2005 já começou a declinar muitos grupos que eu fazia parte, aí eu fui pensar em 2004, fazer o Cursinho Popular da USP, ali da ACEPUSP e tentar fazer faculdade. Então, quando eu entrei na faculdade eu saí de muita coisa… eu fiz uma escolha, assim, ou eu estudo ou eu vou fazer militância. Assim, não deixei de participar de nada, nem de militar, mas em grupos assim, pra saber: isso é referencial da AGP? Pode ser que sim.

Entrevistadores: Sim, mas você não teve essa vivência direta.

Elaine Campos: Eu não tive essa vivência entre 2005 e 2009. Vi muita coisa acontecer na ESP. A gente fez greve, tinha muita gente que era do MPL e MPL vem muito desse referencial. Ele vai se reciclando, né, se ressignificando… eu acho que, sendo bem otimista, eu acho que pode sim ter esse legado da AGP, cara…

Entrevistadores: O que especificamente? Você fala de referencial, quais elementos? Você está falando o que? De ideias, de formas de organização, é isso?

Elaine Campos: Ideias, formas de organização, porque muito fala-se em grupos de afinidades até hoje. Isso não era uma palavra presente nos textos que vocês vão procurar, anterior à AGP. Grupos de afinidade, ninguém sabia que que era. Tem muita crítica aos grupos de afinidade hoje, mas as pessoas continuam se organizando porque se conhecem.

Entrevistadores: Tem um certo vocabulário novo, assim?

Elaine Campos: Autonomismo, autonomistas, grupos de afinidade… acho que tem esse… meio que um texto assim.

Entrevistadores: Da nossa parte era mais ou menos isso, mas a gente sempre faz uma pergunta no final que é: tem alguma coisa que você gostaria de acrescentar, que você acha que a gente não perguntou, que você acha que seria relevante de acrescentar? Só antes de deixar você fazer a pergunta pra você mesma, se você acha que faltou alguma coisa…E em 2013, nesse escopo dessa conversa nossa, AGP, autonomismo, você acha que…

Elaine Campos: Esse boom das ruas, da retomada das ruas em junho de 2013…eu voltei a ir nos atos do MPL. O que aconteceu? Eu vou contar o contexto, porque que eu parei de ir. Em 2011, teve a denúncia do Xavier, que era um estudante da USP que era um dos cabeça do MPL que foi denunciado por 3 mulheres…essa história tem até na internet4. O Xavier foi denunciado por 3 meninas, militantes, por agressão, perseguição, cárcere privado, invasão de casa. E aí rolou, dentro da USP, com as pessoas que eram da época do…as meninas que eram do MPL, inclusive uma era do MPL, que foi a denúncia para poder pensar em como é que você discute violência contra as mulheres nos coletivos autônomos 2011. E aí, uma das coisas que elas pediram foi, assim, vocês tirem esse cara do coletivo, porque nós não vamos sair. E aí os caras da época…o Legume era um dos caras que tava na época, começou uma pá de a passar pano: “Não, porque o cara é importante, ele é fundamental, ele é referência, nananã”. Quer dizer, mas a menina foi…teve tentativa de feminicídio. A sobrevivente da violência fez boletim de ocorrência. As meninas não se conheciam, pior de tudo! Foram ex-namoradas deles, até que o assunto chegou na última que denunciou. Uma das ex que sofreu violência procurou esta última quando soube. Falou assim: “Eu queria conversar com você”. Todas moravam perto, na USP, sei lá, não lembro muito bem. E elas pegaram e falaram assim: “Olha, eu queria contar uma coisa pra você: eu fui vítima dele”. E elas não se conheciam. Então foram tipo reunindo provas de que não era um caso isolado. E mesmo que fosse isolado precisava discutir. E aí em 2011 eles não tiraram o Xavier, Rafael Pacchiega, afastaram…que nem essas coisas que acontecem agora: “Vamos afastar pra investigar…Se não foi ele que fez mesmo, ele volta”. Foi o que fizeram. Essa foi a… aí várias meninas saíram do MPL e isso foi um catalizador pra muitas denúncias no Brasil inteiro. Aí a gente fez uma coisa na época chamada escracho. O escracho num ato do MPL. Depois a gente ficou muito marcada. Muitas mulheres da época não estão mais envolvidas…

Entrevistadores: Mas isso antes de 2013?

Elaine Campos: 2011. Então eu parei de ir porque eu comecei a me sentir muito intimidada nos atos do MPL porque os caras ficavam falando… “tá vendo aquela mina lá, feminista? Elas que vem aqui denunciar a gente…”

Entrevistadores: Ah, tá, agora eu to até lembrando de uma passagem de uma entrevista do Legume que ele falava desses… dos vários coletivos feministas dentro do MPL que aparecem pelo país e tal.

Elaine Campos: E aí começou a aparecer os MPL Mulheres, né? (https://revistageni.org/03/mpl-mulheres/) Então, a questão do…Você começou a perguntar de 2013. Pra eu chegar em 2013, porque que eu voltei em 2013 a participar?… Porque eu vi que… [interrupção na gravação]. Participar das manifestações do MPL tipo em 2013, mais sozinha mesmo, sem tá em coletivos feministas, mas muitas mulheres não se sentiram confortáveis, seguras, nesses espaços… e eu comecei a ir até começar a ter aquela manifestação em que o Sérgio, fotógrafo, perde o olho vítima da brutalidade policial nos protestos, que aí o negócio vira de ponta cabeça, né?

Entrevistadores: Ali você estava?

Elaine Campos: Naquele dia eu tava indo numa reunião com meninas que eram do MPL, na Paulista, que foram dessa geração e aí eu soube, pelos helicópteros e muitos…aí eu falei pra elas: “Olha, gente, eu saí do trabalho e eu não vou conseguir encontrar vocês, tá acontecendo alguma coisa”. “Aí hoje é ato do MPL, então o negócio tá pegando lá pra baixo…” aí eu fui no sentido contrário, cheguei na consolação e já estava tudo fechado e o ato já estava subindo de novo, porque já tinha acontecido muita coisa no começo da Rua da Consolação perto da Rua Maria Antônia)

Entrevistadores: Rolou o enfrentamento e as pessoas continuaram, né?

Elaine Campos: Foram se reorganizando paralelamente e voltava pra situação. Eu peguei o ato perto da Yamamura - uma loja de lustres depois do cemitério da consolação sentido paulista, quando começou a bombar já de helicóptero, né? Eles começaram a jogar bomba dos helicópteros, eu cheguei a filmar com meu celular na época…mas um celular ruim. Nessa época eu não estava em processo de organização de coletivo, em nenhum deles ali. Eu só estava indo como sempre fui. De fato, eu nunca fui do MPL, nem do Centro de Mídia Independente. Eu sempre fui essa pessoa que colaborou de alguma maneira. O CMI mesmo eu escrevia textos, matérias, ficava acompanhando os negócios, escrevendo e publicando como autônoma.

Entrevistadores: Mas você não era do coletivo

Elaine Campos: Não, porque assim: O CMI não era autônomo? Você não pode publicar suas próprias matérias? Então eu fazia isso.